Guerra do Paraguai e Bagé: 150 anos(1864-2014) CAPÍTULO VI
Cláudio Antunes Boucinha[ Licenciado em História (UFSM). Mestre em História do Brasil (PUCRS)].
“Não…”, ela respondeu. “É só a vida… A vida e o ar que se respira”.[ “A Alma e o Coração da Baleia”. Volta Ao Mundo Em 52 histórias. Neil Philip. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1998].
Voluntários da Pátria
A ideia de “Voluntários da Pátria” estava mais de acordo com os primeiros momentos da guerra.
MENDES jr & MARANHÃO (1983), analisando a guerra, especialmente os Voluntários da Pátria, notava a diferença de “natureza” entre os primeiros batalhões de “Voluntários” e os posteriores:
“Assim que foi invadido o Mato Grosso por Solano Lópes, vários setores da opinião pública se sentiram indignados e ofendidos no seu patriotismo. Setores da elite política, como muitos jovens da Faculdades de Direito, resolveram se oferecer como voluntários, para combater a “barbárie”. Mas, se os primeiros batalhões de “Voluntários da Pátria” eram foram principalmente desses jovens, ambiciosos pelo prestígio da opção patriótica, a maioria dos demais contingentes era de natureza muito distinta.
A maioria da população brasileira não tinha o menor interesse pelos acontecimentos de uma guerra que não decidiu, que não dizia respeito a seus desejos, e pela qual, como dizia Taunay, nutria verdadeiro ‘indiferentismo’[ TAUNAY, A. E. Cartas da Campanha de Mato Grosso (1865-1866). Rio de Janeiro: Perfecta, 1944]. Nos anos de 1866 a 1868, generalizou-se a prática por parte das autoridades de apreender indivíduos para servir no conflito.
O Jornal “Diabo Coxo”, de São Paulo, oferecia uma carta branca de recrutador a quem conseguisse descobrir um meio espontâneo de apreender ‘voluntários’, para o serviço patriótico . [ “Em meados de 1866, Agostini publica um outro periódico do gênero com os mesmos companheiros redatores do Diabo Coxo, intitulado O Cabrião, 1866-1867. O título e o personagem Pipelet estavam sempre presentes em quase todos exemplares litografados. Conduziam os leitores a cabrionar de uma maneira lúdica e crítica os costumes paulistas, as festas de entrudo, às referências sempre irônicas à Guerra do Paraguai, o recrutamento arbitrário dos “voluntários da Pátria”, aos políticos do Império, a corrupção, etc. Ambos os personagens, o Cabrião e o Pipelet, são influências claras da literatura francesa, particularmente do romance de Eugène Sue, Mistérios de Paris. Obra que, aliás, foi traduzida e adaptada para muitos países, conforme alude Robert Moses Pechman. (Robert Moses Pechman, em seu livro Cidades estritamente vigiadas: o detetive e o urbanista, refere-se à influência da obra de Sue em diversos países. No Brasil, teve sua disseminação pelos jornais da corte em forma de romance-folhetim e depois por livros. Pechman afirma que “em setembro de 1844, Os Mistérios de Paris começam aparecer no jornal e, logo depois, sob a forma de livro, menos de um ano depois Eugène Sue dar por encerrada sua grande trama sobre as desgraças da classe trabalhadora de Paris. Depois desse aparecimento do folhetim dos folhetins, ele não parou mais de ser reproduzido (ao longo de todo o século e pelo século seguinte) e imitado. Em 1847, foram os Mistérios do Brasil; em 1851; família Morel (adaptação de Os Mistérios de Paris); em 1852, Mistérios del Prata; em 1861, Os Mistérios de Roça; em 1876, Os Mistérios de Recife: 1882, Os Mistérios da Tijuca; e, em 1922, Os Mistérios do Rio. p. 313; Vide, também, o capítulo O mundo como folhetim: na selva das cidades, pp. 227-302". Brás Ciro Gallotta. Humor nos periódicos paulistanos: O Diabo Coxo (1864-1865) e o Cabrião (1866-1867) [Trabalho apresentado ao GT 1 – História do Jornalismo, do V Congresso Nacional de história da mídia]. [Professor doutor em história social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tem experiência na área de História do Brasil, com ênfase em história da imprensa e da caricatura. Trabalhou na reorganização da Hemeroteca Júlio de Mesquita. Foi professor de graduação e pós-graduação do Centro Universitário Senac e de graduação na Universidade Ibirapuera. E-mail: brasciro@yahoo.com.br ]. Professor Doutor em História Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC - SP . http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/5o-encontro-2007-1/Humor%20nos%20periodicos%20paulistanos%20O%20Diabo%20Coxo%20-1864-1865-%20e%20o%20Cabriao%20-1866.pdf ].
O governador paulista Tavares Bastos foi uma das autoridades provinciais que não teve quaisquer escrúpulos no recrutamento forçado: chegou a convidar do povo para ouvir música no Largo do Palácio, cercando em seguida a multidão, com seus soldados, e obrigando todos os homens válidos a sentar praça a seguir para o Paraguai. A maioria do jovens, aterrorizados, evitava sair de casa, fazendo-o só nas festas religiosas e, mesmo assim, disfarçados de mulher[ MORSE, Richard. Formação Histórica de São Paulo. São Paulo: Difusão Europeia, 1970].
Nas vilas do interior, a simples notícia da proximidade de um grupo de recrutadores causava o esvaziamento quase completo do lugar, pois o pessoal fugia para o mato.
Além disso, o recrutamento era usado como intimidação política: os conservadores, tendo chegado ao poder executivo após a queda do gabinete Zacarias de Góis em 1868 (por pressão do Duque de Caxias - …), realizaram eleições: o manifesto do Centro Liberal de 1869[ Manifesto do Centro Liberal - 31 de março de 1869. http://brasilindependente.weebly.com/uploads/1/7/7/1/17711783/manifesto_do_centro_liberal_-_1869.pdf ] denuncia as violências e arbitrariedades que o situacionismo praticou contra os liberais, incluindo-se entre elas o recrutamento forçado de oposicionistas para a guerra[ “Os preâmbulos dos ‘ukases’ russos de 1864, que esbulharam a propriedade dos polacos, falavam muito do desejo e necessidade da pacificação moral: e na verdade não há prova mais irresistível da moderação, justiça e respeito aos direitos de todos, do que a prisão arbitrária com o luxo asiático do tronco, das algemas, das cordas, e da cruz; o recrutamento não obstante as isenções legais; o cerco e varejo das casas do cidadão, de noite, com violação dos aposentos recônditos da família, atentados ao pudor e assassinato dos infelizes destinados à prisão e recrutamento”. V. o manifesto in Bonavides, Paulo & Vieira, R. A. A. Textos Políticos da História do Brasil. pp. 510 e ss. chrome-extension://ecnphlgnajanjnkcmbpancdjoidceilk/http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/81922/volume1.pdf?sequence=1 . chrome-extension://ecnphlgnajanjnkcmbpancdjoidceilk/http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/81924/Volume4.pdf?sequence=4 ; https://pt.scribd.com/doc/175703909/Textos-Politicos-da-Historia-do-Brasil-Vol-2-Imperio-Segundo-Reinado-1840-1889#scribd ]”. [ MENDES jr, Antônio & MARANHÃO, Ricardo. Brasil História: Texto e Consulta. Volume 3: República Velha. 3ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 58].
ALENCAR & CARPI & RIBEIRO (1984) ressaltava dois momentos da guerra: No primeiro momento, o comportamento da elite e os Voluntários da Pátria; no momento seguinte, o recrutamento forçado.
“A organização das tropas aliadas deu-se com o recrutamento de voluntários. No Brasil, o recrutamento dos ‘Voluntários da Pátria’ é um capítulo curioso da nossa história. Os primeiros batalhões que partiram para o Paraguai eram formados pelos jovens patriotas, saídos da elite, e em sua maioria estudantes das faculdades de Direito, desejosos de prestígio.[ MENDES jr, Antônio & MARANHÃO, Ricardo. Brasil História: Texto e Consulta. Volume 3: República Velha. 3ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 58].
Contudo, a medida que a guerra prosseguia, a maioria da população brasileira continuava indiferente[ MENDES jr, Antônio & MARANHÃO, Ricardo. Brasil História: Texto e Consulta. Volume 3: República Velha. 3ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 58] e pouco mobilizada em relação ao conflito. O governo encontrando sérias dificuldades para conseguir voluntários, acabou lançando mão até do recrutamento forçado. O governador de São Paulo, por exemplo, convidou o povo da capital para ouvir música no Largo do Palácio, cercou o local e fez com que seus guardas capturassem todos os homens considerados aptos, obrigando-os a se alistar e seguir para a guerra”. [ ALENCAR, F. & CARPI, L. & RIBEIRO, M. V. História da Sociedade Brasileira. 2ª edição. :Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1984, p. 158].
MOCELLIN (1987) preferiu ressaltar os aspectos relacionados ao recrutamento forçado; produto, talvez, de um certo “indiferentismo” da época, retratado por Taunay; mas será que esse sentimento, essa sensação, era generalizada em todo o país? Até que ponto esse “indiferentismo”caracterizaria o “espírito da época”; “zeitgeist”[ "Zeitgeist – Wikipédia, a enciclopédia livre." 2006. 30 Jul. 2014 <http://pt.wikipedia.org/wiki/Zeitgeist> :
“Segundo o Visconde de Taunay, a maior parte da população brasileira via com ‘indiferentismo’ a guerra. Entre os anos de 1866 e 1868, as autoridades recrutavam à força os novos combatentes. Richard Morse [ "Richard McGee Morse - Wikipedia, the free encyclopedia." 2006. 12 Jun. 2014 <http://en.wikipedia.org/wiki/Richard_McGee_Morse>; "Richard Morse — IEA - USP." 2013. 12 Jun. 2014 <http://www.iea.usp.br/pesquisa/professores/ex-professores-visitantes/ex-professores-visitantes-internacionais/richard-morse>; Richard McGee Morse . Formação histórica de São Paulo: (de comunidade à metrópole). São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970, p. 196. O livro Formação Histórica de São Paulo (de comunidade à metrópole), de Richard Morse, publicado a primeira vez em 1954 (Comissão do IV Centenário) e republicado em 1970 (Difel), é hoje considerado um clássico dos estudos urbanos que buscam na cultura uma chave explicativa. [Título do simpósio: Leituras, diálogos e conflitos: as relações no espaço construído e imaginado entre Brasil, América e Europa Coordenação: Profa. Dra. Silvana Rubino .Título do trabalho: "São Paulo comunidade, São Paulo metrópole: a cidade de Richard Morse" . Autor: Ana Claudia Veiga de Castro . Titulação: Mestre em Estruturas Ambientais e Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, doutoranda na mesma instituição. Instituição: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. O texto faz parte da pesquisa de doutorado desenvolvida na FAUUSP sob orientação da Profa. Dra. Ana Lanna e co-orientação do Prof. Dr. Adrián Gorelik (Universidad Nacional de Quilmes), no âmbito do Projeto Temático Fapesp São Paulo: os estrangeiros e a construção da cidade.]
MORSE, Richard. “São Paulo: The Early Years”, M. A., Graduate School of Arts and Sciences of Columbia University, 1947.
______________, “São Paulo Under the Empire (1822-1889)”, Ph.D., Faculty of Political Science of Columbia University, 1952.
______________, De comunidade à metrópole: biografia de São Paulo. São Paulo: Comissão IV Centenário, Serviço de comemorações culturais, 1954.
______________, From community to metropolis. A biography of Sao Paulo. Gainesville: University of Florida Press, 1958.
______________, Formação histórica de São Paulo: de comunidade à metrópole. São Paulo: Difel, 1970.
conta que o Presidente da Província de São Paulo, Tavares Bastos, convidou o povo para ouvir música no Largo do Palácio. Em seguida, os seus soldados cercaram a multidão e todos os homens válidos foram obrigados a ir para a guerra. O clima de terror era tal, que muitos jovens não saíam de casa e a simples notícia da proximidade de recrutadores os fazia fugir para o mato”. [ MOCELLIN, Renato. A História Crítica da Nação Brasileira. São Paulo: Do Brasil, 1987, p. 141].
VAIFAS & FARIA & FERREIRA & SANTOS (2010), em texto resumido, confuso, embora registrando aspectos importantes, observava as mudanças durante a guerra:
“No início da Guerra, para minimizar o problema, foram criados, por decreto imperial de 1865, os Voluntários da Pátria - corpo de soldados voluntários criado pelo governo brasileiro. Aos cidadãos alistados era assegurando um soldo e, quando voltassem, terras, emprego público ou pensões.
No início, acreditando que a guerra seria breve, muitos se inscreveram, incluindo libertos (ex-escravos).
Vários senhores libertaram seus escravos para que substituíssem eles próprios ou seus parentes convocados. Mas o maior número de ex-escravos que participou da Guerra foi libertado após indenização paga pelo governo aos seus donos.
Com a Guerra se estendendo por muito mais tempo do que as previsões iniciais, atém mesmo os membros da Guarda Nacional foram obrigados a lutar, subordinados ao Exército de linha.
Também criminosos, desocupados e pobres foram obrigados a se alistar como ‘voluntários’.
O esforço de guerra foi imenso, mobilizando entre 150 e 200 mil homens.
Os prêmios prometidos pelo governo aos voluntários não foram pagos”. [ VAIFAS, Ronaldo & FARIA, Sheila de Castro & FERREIRA, Jorge & SANTOS, Georgina dos. História. Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 282].
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