Guerra do Paraguai e Bagé: 150 anos(1864-2014) CAPÍTULO III


Cláudio Antunes Boucinha[Licenciado em História (UFSM). Mestre em História do Brasil (PUCRS)].



“Não…”, ela respondeu. “É só a vida… A vida e o ar que se respira”. [ “A Alma e o Coração da Baleia”. Volta Ao Mundo Em 52 histórias. Neil Philip. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1998].

Introdução

O conceito de “fio condutor” é utilizado aqui como maneira de observar linha de pensamento comum, como consenso, entre pesquisadores do tema. No caso,a ideia de fio condutor, no estudo, é utilizada como um instrumento de coerência; e não necessariamente como  teleologia ou ainda como lei histórica.

Jean Michel de Lima Silva & Renata de Freitas Chaves esclareciam o pensamento de Kant:

A presente pesquisa tem por finalidade demonstrar o fio condutor que rege toda a história universal para Immanuel Kant. (...)  Assim para atingirmos nosso objetivo de explicitar o fio condutor da história universal, analisaremos primeiramente o homem como o único ser racional sobre a face da terra, como também, a exigência de se cultivar esta mesma razão no âmbito da espécie e da história. (...) Contudo não é tranquila nem pacífica a questão da Filosofia da história para Kant, conforme se verá, o filósofo buscará estabelecer um fio condutor para tal história. (...)  A postura de Kant sobre o fio condutor da história é claramente evidenciada nestas palavras: ‘Nós queremos ver se conseguimos encontrar um fio condutor para tal história e deixar ao encargo da natureza gerar o homem que esteja em condição de escrevê-la segundo este fio condutor. Assim ela gerou um Kepler, que, de uma maneira inesperada, submeteu as excêntricas órbitas dos planetas a leis determinadas; e um Newton, que explicou essas leis por uma causa natural universal’. (KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. Ed. Bilíngue Alemão/Português. Tradução de Rodrigo Naves e Ricardo R. Terra. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 10). (...) Cumpre-nos encontrar, no absurdo curso das diversas ações humanas o fio condutor da razão para tal história. (...)  E se isto for realmente possível, como o fio condutor da história mundial conduzirá estas repúblicas antagônicas a um Estado de tranquilidade e segurança. (...)  Descobre-se assim, um fio condutor que desvela o curso da história humana e a eleva pelo seu próprio trabalho a um Estado no qual finalmente poderá desenvolver todas as suas disposições naturais. (...)  Com efeito, Kant empreende realizar uma história universal do mundo tendo de certa maneira um fio condutor a priori, que visa à perfeita união civil entre a espécie humana”.  [ O FIO CONDUTOR DA HISTÓRIA UNIVERSAL NA OBRA: “IDEIA DE UMA HISTÓRIA UNIVERSAL DE UM PONTO DE VISTA COSMOPOLITA” DE IMMANUEL KANT  . THE CONDUCTOR THREAD OF THE UNIVERSAL HISTORY IN THE WORK: “IDEA OF A UNIVERSAL HISTORY FROM A POINT OF COSMOPOLITAN VIEW” BY IMMANUEL KANT   . Jean Michel de Lima Silva [Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, na linha de pesquisa Ética e Filosofia Social e Política. Atualmente é bolsista do programa de Demanda Social/CAPES/UECE. Email: michelzin_18@hotmail.com ] & Renata de Freitas Chaves [ Mestra em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, na linha de pesquisa Ética e Filosofia Social e Política. Atualmente possui vínculo institucional como professora substituta do departamento de Filosofia da UECE. E-mail: renatyfchaves@gmail.com ].



Ivo Tonet resgatava o pensamento de Marx sobre o tema:

Para Marx, não é o Estado que funda a sociedade como sociedade. É o trabalho. É o que ele afirma no Prefácio à Contribuição para a Crítica da Economia Política. Diz ele (1973, p 28 -  MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. Prefácio. Lisboa, Estampa, 1973):  ‘Nas minhas pesquisas cheguei à conclusão de que as relações jurídicas – assim como as formas de Estado – não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela dita evolução geral do espírito humano, inserindo-se, pelo contrário, nas condições materiais de existência de que Hegel, à semelhança dos ingleses e franceses do século XVIII, compreende o conjunto pela designação de “sociedade civil”; por seu lado, a anatomia da sociedade civil deve ser procurada na economia política’. E continua ele (idem, ibidem): ‘A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio condutor dos meus estudos, pode formular-se resumidamente assim: na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social’”. [ “MARXISMO E DEMOCRACIA”. Ivo Tonet. Professor de Filosofia do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes da Universidade Federal de Alagoas. Doutor em educação. chrome-extension://ecnphlgnajanjnkcmbpancdjoidceilk/http://ivotonet.xpg.uol.com.br/arquivos/MARXISMO_E_DEMOCRACIA.pdf ].

Batalha de Acosta Ñu


A batalha de Acosta Ñu foi a demonstração final da crueldade das guerras, como apontava Chiavenatto:

Acosta Ñu[ “Na batalha de Acosta Ñu (conhecida  em nosso país como Campo Grande), 20 mil soldados brasileiros enfrentaram 3.500 paraguaios, a maioria crianças, obtendo uma ‘grande vitória’”. MOCELLIN, Renato. A História Crítica da Nação Brasileira. São Paulo: Do Brasil, 1987, p. 141.  “Batalha de Campo Grande (ou Nhu-Guaçu)”. MENDES jr, Antônio & MARANHÃO, Ricardo. Brasil História: Texto e Consulta. Volume 3: República Velha. 3ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 62] é o simbolo mais terrível da crueldade dessa guerra: as crianças  de seis a oito anos, no calor da batalha, apavoradas, agarravam-se às pernas dos soldados brasileiros, chorando, pedindo que não as matassem. E eram degoladas no ato. Escondidas nas selvas próximas, as mães observavam o desenrolar da luta. Não poucas pegaram em lanças  e chegaram a comandar  grupos de resistência. Finalmente, após todo um dia de luta, os paraguaios  foram derrotados. Pela tarde, quando as mães vieram recolher as crianças feridas, ou enterrar as mortas, o Conde  D’Eu mandou incendiar a macega  - no braseiro, viam-se crianças feridas correr até caírem vítimas das chamas”. [ CHIAVENATTO, Júlio José. Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai. 11ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1980, p. 158. Citado por: MOCELLIN, Renato. A História Crítica da Nação Brasileira. São Paulo: Do Brasil, 1987, p. 141].


Herib Caballero Campos era da mesma opinião de Chiavenatto:
(...) Eram anciãos, soldados que haviam sido feridos e meninos entre 12 e 14 anos. (...) A esta altura, as tropas de Caballero eram compostas, em sua maioria, por crianças. A vanguarda brasileira avançou sobre o Rubio Ñu, ou Acosta Ñu, em 16 de agosto. O combate durou todo o dia e, depois da vitória aliada, o conde d’Eu novamente ordenou um ato que não estava de acordo com as condutas que até então regiam a guerra: a queima do campo de batalha, onde ainda havia feridos. Todos morreram queimados. (...) Em 2014 completam-se 150 anos do início da Guerra da Tríplice Aliança”. [ Herib Caballero Campos é professor pesquisador da Universidad Nacional de Asunción, no Paraguai. “Sem misericórdia”. (No último ano do conflito, as tropas aliadas escreveram episódios de barbárie contra um país destroçado). Herib Caballero Campos / Tradução: Nashla Dahás. 1/10/2013. Bibliografia: Cardozo Efraím. Hace 100 años. Asunción: Editorial El Lector; Rubiani, Jorge. Verdades y mentiras sobre la Guerra de la Triple Alianza. Asunción: Edición del autor; Whigham, Thomas. La Guerra de la Triple Alianza. Vols. I, II, III. Asunción: Editorial Taurus. Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/sem-misericordia ].


Esse episódio do incêndio das “macegas”, é contestado por  RICARDO BONALUME NETO. Notava-se o uso da palavra “adolescente”[Eloisa Grossman. “A construção do conceito de adolescência no Ocidente”. The construct of the concept of adolescence in the West.  Vol. 7 nº 3 - Jul/Set - 2010. Professora Adjunta de Medicina de Adolescentes da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM/UERJ); Doutora em Ciências pelo Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/FIOCRUZ). http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=235 . Débora Motta. “Uma análise da adolescência ao longo da história”. 12/02/2010. http://www.faperj.br/?id=1654.2.5 . Leandro José Paiva. A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA ADOLESCÊNCIA E A SUA ABORDAGEM JURÍDICA NO BRASIL. chrome-extension://ecnphlgnajanjnkcmbpancdjoidceilk/http://www.faceca.br/revista/index.php/revisdireito/article/viewFile/158/77 . “Processo semelhante ao da escola ocorreu entre os oficiais no exército do Século XVIII. Para as hierarquias inferiores, a situação somente seria revertida após a Primeira Guerra Mundial. Daí em diante, a adolescência se expandiria, empurrando a infância para trás e a maturidade para frente. Assim, a adolescência, figura do Século XIX e do início do Século XX, teve na escola e no exército seus elementos concretos de formação. De maneira mais precisa, foi através da observação das experiências dessas duas instituições que a sociedade moderna pôde compor uma nova realidade psicológica, a adolescência”. REIS, Alberto Olavo Advincula; ZIONI, Fabiola. O lugar do feminino na construção do conceito de adolescência. Rev. Saúde Pública,  São Paulo ,  v. 27, n. 6, p. 472-477, Dec.  1993 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101993000600010&lng=en&nrm=iso> . access on  23  Dec.  2015.  http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89101993000600010. “A construção histórica da adolescência”. The historical construction of adolescence. Luciano de Carvalho Lírio, Bacharel em Teologia (SETECERJ); Licenciado em História (UERJ); Especialista em História Moderna (UFF); Mestrando em Teologia (EST); Bolsista CAPES. lucianomission@yahoo.com.br . Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo da Faculdades EST
Disponível em: http://periodicos.est.edu.br/nepp . Protestantismo em Revista, São Leopoldo, RS, v. 28, maio-ago. 2012. chrome-extension://ecnphlgnajanjnkcmbpancdjoidceilk/http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp/article/viewFile/250/351 . “Adolescência através dos Séculos”. Teresa Helena Schoen-Ferreira. [Endereço para correspondência: Universidade Federal de São Paulo, Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente – CAAA. Rua Botucatu 715, Vila Clementino. E-mail: teresaschoen.dped@epm.br ; rpetrass@uol.com.br  ]. Maria Aznar-Farias. Universidade Federal de São Paulo. Edwiges Ferreira de Mattos Silvares. Universidade de São Paulo. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Abr-Jun 2010, Vol. 26 n. 2, pp. 227-234. chrome-extension://ecnphlgnajanjnkcmbpancdjoidceilk/http://www.scielo.br/pdf/ptp/v26n2/a04v26n2.pdf . “A respeito disso, como observa Calligaris, a adolescência nada mais é do que...um mito, inventado no começo do século XX, que vingou sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial.(...)”. (Calligaris, 2000, p. 9). CALLIGARIS, C. (2000). A adolescência. São Paulo:
Publifolha, 2000. Luciana Gageiro Coutinho.  "A adolescência na contemporaneidade: ideal cultural ou sintoma social". Artigo recebido em outubro de 2004. Aprovado para publicação em janeiro de 2005. Este trabalho é parte integrante da tese de doutorado Ilusão e Errância: Adolescência e Laço Social Contemporâneo na Interface entre a Psicanálise e as Ciências Sociais, defendida em fevereiro de 2002 no Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da PUC-Rio, com auxílio financeiro da Capes e com  bolsa-sanduíche do Cnpq em Paris 7. O artigo deriva, mais especificamente, de um trabalho apresentado originalmente no colóquio Adolescência e Construção de Fronteiras, APPOA /UFRGS, Porto Alegre, agosto de 2002. Ano XVII,n.181,março/2005. pulsional> revistadepsicanálise> artigos>p.13-19. chrome-extension://ecnphlgnajanjnkcmbpancdjoidceilk/http://www.editoraescuta.com.br/pulsional/181_02.pdf ], em lugar da palavra “criança”:

“(...) O Brasil sofreu um rolo compressor ideológico nos últimos anos do regime de 64, principalmente graças a dois ‘best sellers’ desse nacional-populismo revisionista, "As Veias Abertas da América Latina", do uruguaio Eduardo Galeano, publicado pela Paz e Terra em 1978, e "Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai", do brasileiro Julio José Chiavenatto (Brasiliense, 1979). Os dois livros apelam para a emotividade e para uma seletiva utilização das fontes.
"Até sua destruição, o Paraguai se erguia como uma exceção na América Latina: a única nação que o capital estrangeiro não tinha deformado", escreveu Galeano, que começa a falar da guerra descrevendo primeiro uma viagem de ônibus ao lado de um camponês guarani que "articulou algumas palavras tristes em castelhano: nós paraguaios somos pobres e poucos'".
Para Chiavenatto, a ditadura de Francia era exercida "em favor do povo", e o Paraguai era "o mais progressista país da América do Sul".
Um bom exemplo da técnica desse autor pode ser vista na descrição da polêmica batalha de Campo Grande ou Acosta-Ñu, para qual López conseguiu reunir um maltrapilho exército de velhos e crianças depois de desbaratadas suas forças em embates anteriores. Os brasileiros eram liderados pelo Conde d'Eu (1842-1922), genro de d. Pedro 2º. A batalha entre os veteranos brasileiros bem armados e os adolescentes paraguaios durou oito horas. Eram 20 mil aliados e 4.500 paraguaios. Morreram 2.000 paraguaios e 1.300 foram aprisionados; as perdas aliadas foram de apenas 45 mortos e 431 feridos.
Foi parecido com o que os norte-americanos fizeram na Guerra do Golfo.
O heroísmo suicida dos adolescentes é cultuado no Paraguai, que deu o nome da batalha a seu liceu militar.
Chiavenatto acusa o conde de ter deliberadamente assassinado os adolescentes feridos paraguaios ao mandar incendiar o capim seco do local e cita como fonte as memórias do Visconde de Taunay (1843-1899), autor de "A Retirada da Laguna". O especialista em história militar Reginaldo Bacchi [ Reginaldo José da Silva Bacchi é engenheiro mecânico, consultor técnico da revistaTecnologia & Defesa e trabalhou na Engesa.  http://www.aereo.jor.br/2010/10/21/palestra-o-desenvolvimento-tecnologico-da-industria-belica-no-ultimo-seculo/ . “Senhores, meu nome é Reginaldo José da Silva Bacchi, e trabalhei na ENGESA de Setembro de 1977 à Abril 1990. Comecei trabalhando na ENGEPEQ (Setor de Engenharia de Produtos da ENGESA) e quando a ENGESA encerrou suas atividades eu era Gerente de Mercadologia de Produtos Militares. Não trabalhei pessoalmente no projeto do Osório, mas devido à minha função acompanhei o projeto do inicio do mesmo até a concordata da firma. Já tive a oportunidade de contar a história do projeto do Osório que foi publicado na Revista Tecnologia & Defesa nº 84 Ano 17 (2000)”. http://www.basemilitar.com.br/forum/viewtopic.php?f=5&t=1222&start=105 ] não entendia a menção. E foi fazer o que poucos leitores fazem: foi à fonte. E Taunay diz o exato oposto: havia balas que ainda explodiam no campo por causa do "incêndio da macega ateado, no princípio da ação, pelos paraguaios, para ocultarem o seu movimento tático".
Ainda mais curioso, percebe-se de Taunay que antes de ser um sanguinário matador de crianças, o conde era uma pessoal sensível. Como escreveu Doratioto em sua dissertação: "Depois da batalha de Campo Grande, talvez impressionado com a morte, na batalha, de tantos adolescentes que lutavam nas fileiras paraguaias, o Conde d'Eu mudou de postura. Segundo o Visconde de Taunay, que fez parte do Estado-Maior do comandante das forças imperiais, o Conde deixou de ser ativo e tornou-se 'displicente e caprichoso, falando de contínuo na necessidade de regressar ao Rio de Janeiro', afirmando a cada instante: 'Não tenho mais nada que fazer aqui!'". [ RICARDO BONALUME NETO. Novas lições do Paraguai. http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/histpar_1.htm . “Repórter especial do caderno Ciência, da "Folha de S.Paulo" (...). Especializado em ciência, tecnologia, meio-ambiente e história militar, Ricardo Bonalume Neto estudou jornalismo na ECA/USP e está no jornal paulista desde 1985, onde trabalhou como redator e editor-assistente de Educação e Ciência. No mesmo ano tornou-se repórter, função que exerce até hoje, além de ter assinado a coluna "O Cético", da "Revista da Folha", de 1998 a 2002". Repórter especial da "Folha", Ricardo Bonalume Neto explica]


Nessa mesma linha de raciocínio ou “fio condutor” de  RICARDO BONALUME NETO,  estava Doratioto, Francisco Fernando Monteoliva[Maldita guerra • nova história da ”Guerra do ’Paraguai / Francisco Fernando Monteoliva Doratíoto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002], com algumas diferenças:

“Travou-se, então, no dia 16 de agosto, a batalha de Campo Grande, co­nhecida como Acosta-Ñú no Paraguai, e dela participou um grande número de jovens paraguaios, que Contavam entre 14 e 15 anos de idade. A batalha iniciou­-se de manhã, às 8h30, e nela se enfrentaram 20 mil aliados e uns 6 mil paraguaios, comandados por Bernardino Caballero.  [ Augusto Tasso Fragoso, op. cit., vol. IV, p. 343. [Augusto Tasso Fragoso, História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai, Rio de Ja­neiro, Imprensa do Estado-maior do Exército, 1935, vol. IV].

O local da batalha, como indica o nome Campo Grande, era uma planície vasta, com uns doze quilômetros quadrados, própria para a ação da cavalaria brasileira que, se utilizada inicialmente, poderia ter envolvido e destroçado o flanco das posições paraguaias. Essa cavalaria estava, porém, na retaguarda de toda a força brasileira e não tinha condições de avançar pela estreita picada, pois à sua frente havia milhares de soldados da infantaria, da artilharia, além de car­roças com munição e equipamentos militares. Como consequência, o ataque brasileiro iniciou-se com o uso da infantaria, na qual o então coronel Manoel Deodoro da Fonseca, primeiro chefe de Estado do Brasil republicano, comanda­va um batalhão.[ Visconde de Taunay, Recordações de guerra e op. cit., pp. 62-3.[visconde de Taunay, Recordações de guerra e de viagem, São Paulo, Weiszflog  Irmãos, 1920].

Presente na batalha de Campo Grande/Acosta-Ñú, o visconde de Taunay confirma a bravura do general Caballero, que dava a seus soldados “exemplos de intrepidez, mas entendia pouco da arte da guerra”. O despreparo militar de Caballero levou-o a não executar qualquer ação que impedisse as forças brasilei­ras de saírem da picada, pela qual elas marchavam em meio à mata, e tomarem, tranquilamente, posições de ataque. Os paraguaios se limitaram a atirar à dis­tância, de forma pouco intensa, com rifles e, espaçadamente, com a artilharia, o que não causou maiores problemas aos brasileiros.[ Idem, ibidem, pp. 58-9].

Do lado paraguaio, misturadas aos soldados, encontravam-se crianças com barbas postiças para parecerem adultas. A capacidade de resistência paraguaia ficou demonstrada, mais uma vez, pelas oito horas de duração do combate, ape­sar da desproporção de forças, amplamente favorável aos brasileiros. Durante esse tempo, Caballero fez suas forças recuarem de forma ordenada, “deixando bem patente” que sua tropa permanecia disciplinada. Nesse movimento, os pa­raguaios atravessaram o arroio Juqueri e se instalaram na outra margem, contando com oito canhões e protegidos por montes de terra. A infantaria brasilei­ra tentou atravessar o arroio e travou intenso combate; no terreno misturavam-se cadáveres, carretas, “mulheres e crianças a soltarem gritos lancinantes que se faziam ouvir no meio do mais violento fogo de fuzilaria e troar de artilharia . Ao fracassar a primeira tentativa brasileira de transpor o arroio, o conde d’Eu ordenou que se trouxesse a artilharia que, colocada em frente dos canhões ini­migos, abriu fogo e causou grande mortandade do lado paraguaio.[ Idem, ibidem, pp. 61-2].

Ás 13h45, a infantaria brasileira atacou a retaguarda inimiga, ao mesmo tempo que a cavalaria imperial conseguiu sair da picada e chegar ao campo de batalha. Imediatamente, essa cavalaria atravessou o arroio e fez um violento ata­que aos batalhões paraguaios, assistido pelo visconde de Taunay, que o descre­veu da seguinte forma:

‘Parece-me ainda estar vendo como as lanças se abaixavam fulgurantes, vertigino­sas, atirando alto no ar, como que simples novelos de algodão, os corpos que iam ferindo e que, no geral, caiam agachados, acocorados e mais que isto, enrolados sobre si mesmos. Não poucos infantes [paraguaios] buscavam defender-se com a espingarda, mas era resistência momentânea; alguns atiravam fora a arma e ocul­tando o rosto entre os braços abaixavam a cabeça e esticavam o pescoço à espera do golpe das pesadas espadas, apressados em dar tudo por acabado e buscando na morte pronta solução a tantas desgraças e tão seguidos sofrimentos.[ Idem, ibidem, p. 64],

Dionísio Cerqueira descreve o galope da cavalaria em direção às linhas pa­raguaias e como estas se uniram em quadrado, formação clássica da infantaria para se defender desse tipo de ataque. O quadrado contou com o apoio de uma coluna que surgiu de um capão e não adotou essa formação. Cerqueira descre­ve que, do piquete que acompanhava o conde d’Eu, se adiantou um cavalariano, um cabo, que

ia firme nos estribos, revoluteando a lança [...] Que valente! Vi-o meter as esporas no cavalo e, com um salto enorme, penetrar naquela massa eriçada de baionetas [o quadrado paraguaio]. Ainda deu duas lançadas e sumiu-se. [...] Depois do com­bate, fui ver o lugar onde caiu o cabo do piquete do príncipe. Achei-o com os olhos abertos e o braço estendido, como procurando a lança. Contemplei, algum tem­po, em respeitosa mudez, os restos mutilados desse homem, cujo nome me era desconhecido e cujas proezas talvez somente eu tivesse testemunhado na tremen­da refrega. Era mais um dos heróis anônimos que lá caíram aos milheiros em de­fesa da honra nacional, deixando os esqueletos branqueando os campos ou enter­rados em covas mal cobertas [...] .[ Evangelista de Castro Dionísio Cerqueira, op. cit., pp. 327-8. - Evangelista de Castro Dionísio Cerqueira, Reminiscências da campanha do Paraguai: 1865-1870, Rio de janeiro, Biblioteca do Exército, 1980].

À carga de cavalaria sucedeu-se o ataque da infantaria brasileira, que to­mou à baioneta os oito canhões inimigos. Pedro Américo pintou o quadro Bata­lha de Campo Grande, “inverossímil sem dúvida”, ao representar posições impos­síveis por parte da cavalaria. Ao contrário do que aparece no quadro, o conde d’Eu não empinou o cavalo, nem havia frade algum no local da batalha. Contu­do, é verídico que, ao se manter no terreno do combate, o conde d’Eu correu um risco “muito grande”, assim como todos os que o acompanhavam, pois es­teve no próprio campo de batalha, exposto às balas inimigas.[ Visconde de Taunay, Recordações de guerra e..., op. cit., p. 65].

A derrota paraguaia foi completa:

O campo ficou cheio de mortos e feridos do inimigo, entre os quais causavam-nos grande pena, pelo avultado número, os soldadinhos, cobertos de sangue, com as perninhas quebradas, não tendo alguns ainda atingido a puberdade. [...] Como eram valentes para o fogo os pobres meninos! Que luta terrível aquela entre a piedade cristã e o dever militar!
Os nossos soldados diziam que não dava gosto a gente brigar com tanta criança.[ Evangelista de Castro Dionísio Cerqueira, op. cit., p. 329].

Essa foi a última grande batalha da guerra. Os paraguaios tiveram 1200 pri­sioneiros — a maior parte, que se refugiou na mata, entregou-se posteriormen­te — e 2 mil mortos, o que atesta sua tenacidade, apesar da inferioridade numé­rica e de armamento, que era “quase rudimentar”. Foram apreendidas muitas espingardas de pederneira, de um tipo tão antigo que era desconhecido dos alia­dos. Havia todo tipo de armas obsoletas do lado paraguaio, “de mecha, trabuco e outros espécimes que só se veem em museus”. A péssima qualidade desse ar­mamento e a má pontaria da tropa paraguaia, composta “quase toda” de gente inexperiente, explicam a desproporção de perdas: os aliados tiveram 26 mortos e 259 feridos. [ Visconde de Taunay, Recordações de guerra e..., op. cit., p. 69; Antônio de Sousa Júnior, op.cit., p. 313 [SOUSA JUNIOR, general Antônio. Guerra do Paraguai”. ln: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). His­tória geral da civilização brasileira. 4. ed. São Paulo: Difel, 1985, t.II, vol. 4, p. 299-314]; Juan Crisóstomo Centurión, op. cit., vol. IV, p. 89 [ Juan Crisóstomo Centurión, Memórias: reminiscencias históricas sobre la Guerra del Para­guay, Assunção, Editorial El Lector, 1987 ; http://www.portalguarani.com/373_juan_crisostomo_centurion/13098_memorias_o_reminiscencias_historicas_sobre_la_guerra_del_paraguay_tomo_ii__por_juan_crisostomo_centurion.html ]; Augusto Tasso Fragoso, op. Cit., vol, IV, p. 342].

A mortandade paraguaia poderia ter sido menor, mas os vence­dores não tiveram piedade:

O inimigo [paraguaio] perdeu milhares de soldados, pois não se concedia perdão; os feridos foram mortos logo que encontrados. Ainda três dias após a luta foram achados gravemente feridos no capim alto, lamentando seus ferimentos e claman­do por perdão. Mas isso de nada lhes valeu.[ Diário de campanha do capitão Pedro Werlang, em Klaus Becker, op. cit., p. 147[BECKER, Klaus. Alemães e descendentes do Rio Grande do Sul na Guerra do Paraguai. Canoas: Hil­gert & Filhos, 1968].

A diferença entre o número de mortos paraguaios e aliados demonstra que Campo Grande/Acosta-Ñú foi um banho de sangue. Este foi iniciado por Solano López, ao enviar ao combate adolescentes, disfarçados de adultos, desprepa­rados e com armas obsoletas, e continuado pelos soldados brasileiros embrute­cidos por anos de guerra, cansados de um inimigo que não se rendia, não recuava, se mantinha em combate mesmo quando a morte era certa.

Durante o recuo até o arroio Juqueri, os paraguaios atearam fogo ao ca­pinzal alto e seco para ocultar seus movimentos com a fumaça. O coronel Con­rado Bittencourt ordenou ao batalhão comandado por Dionísio Cerqueira que apagasse o campo em chamas, ordem que este retransmitiu a um sargento, de­signado para fazer um grande aceiro que limitasse o fogo. Atraído para o com­bate, Dionísio Cerqueira não ficou no local para supervisionar a realização da tarefa; “julgo hoje que não procedi bem, mas, naquele tempo, não me podia sa­crificar àquele serviço, quando a fuzilada me chamava, cada vez mais ardente”. [ Evangelista de Castro Dionísio Cerqueira, op. cit., p. 324].

O incêndio não foi controlado e, no final dos combates, o fogo no capim come­çou a explodir caixas de munição que foram deixadas no terreno durante os mo­vimentos de tropas. O incêndio se alastrou e vitimou os feridos caídos, já marti­rizados pela sede, sufocando-os ou queimando-os até a morte.

Quantas dores inenarráveis [...] Vi — ninguém me contou — um paraguaiozinho gritar para um companheiro ferido mas de pé: Amigo, mata-me por favor!”. E o outro, acudindo à cruel imploração, desfechou-lhe um tiro à queima-roupa”. [ Visconde de Taunay. Recordações de guerra e..., op. cit., p. 69. Luís Vittone dá os seguin­tes números: 1500 paraguaios mortos e mesmo numero entre feridos e prisioneiros.Já os aliados teriam tido duzentos mortos e 450 feridos (Tres guerras, dos mariscales, doce batallas, Assunção, Edi­torial El Gráfico, 1967, p. 188)].

Como se observava, o massacre foi impiedoso.

Comentários

Postagens mais visitadas