A COLÔNIA ALEMÃ DE HULHA NEGRA

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Figura 1: 1. Gaspar Brandl, que trabalhava na sua profissão de ferreiro junto ao habitante do lugar, Sr. Adeodato Dutra; 2. Emílio Otte, carpinteiro e plantador ao mesmo tempo; 3. FRANCISCO KRENZINGER, a minha própria insignificância, auxiliada pelo meu laborioso cunhado Ernesto Beskow; finalmente ainda devo mencionar Alberto Schneider, cuja atividade aqui foi pouco depois encerrada com sua volta à Pelotas. (sem ordem definida, na fotografia; sem data; sem nome do fotógrafo; sem local definido).http://www.hulhanegra.rs.gov.br/imagem_pagina/112810262401_os3_primeiros.jpg.
A COLONIZAÇÃO ALEMÃ
A Formação da Colônia
FRANCISCO KRENZINGER[1]
Quem atualmente apreciar as lavouras verdejantes e os sítios circundados por jardins amenos, recostados nas coxilhas intermináveis, marginando a estrada de Bagé à Candiota, quem observar o trabalho ativo dos camponeses e suas famílias, acompanhado, desde alguns anos, pelo incessante roncar de muitos tratores, perceberá agradavelmente surpreso, que se encontra num oásis em meio da imensa campanha e sentirá a pulsação duma vigorosa colônia.
É neste recanto que mãos incansáveis empunharam o arado fazendo rasgá-lo a terra fecunda e mobilizando aquelas suas forças das quais, pelo simples e usual apascentamento, se poderia aproveitar somente uma pequena fração; é aqui que o homem modelou a paisagem.
Porém, aquele que ainda se lembrar da monotonia inóspita desta região dominada pela chirca, há 25 anos, involuntariamente deparar-se-á com a interrogação do quem, quando e como desta metamorfose; perguntará pelas causas e relações que conduziram a formação e a evolução desta nossa colônia.
Procurarei responder a estas questões, a seguir, da melhor maneira possível.
Confesso, no entanto, que dificilmente poderei dar um relato objetivo e não vejo outro meio que não seja o de relacionar a narração histórica com casos e impressões pessoais, ao menos no que concerne aos primeiros acontecimentos.
Nos anos anteriores a 1925 estive radicado como colono no município de Pelotas, onde o trabalho extraordinariamente árduo e rudimentar me satisfazia tanto menos quanto estava acostumado a condições tão outras como agrônomo europeu.
Sucedeu comigo exatamente o mesmo que acontecera a milhares de outros, e segui o fluxo dos imigrantes agrários que, desde há mais de cem anos, se dirigia à mata virgem, onde era e ainda é possível chegar lentamente a conquistar sua propriedade, com os menores e mais primitivos meios materiais.
O machado e a foice de roçar, a enxada e o picão, são estes os singelos utensílios do desbravador das matas; coragem e laboriosidade, persistência e sobriedade suas qualidades essenciais.
Só a severa renúncia a enumeras comodidades da vida, a frugalidade e uma saúde férrea poderão habilitá-lo a vencer os duros anos iniciais na mata virgem.
E isto é compreensível quando se considera que o único amparo do intrépido colonizador são as suas mãos calejadas e as simples ferramentas que empunham.
Quantos e quantos aportaram com fantásticos planos de derrubar e destocar grandes complexos de mato com possantes máquinas para cultivá-los posteriormente? –
Esforços vãos!
A rotina de trabalho nas selvas até hoje continua e certamente permanecerá a mesma enquanto se conhecer colônias de mato.
Em face das penosas e antieconômicas práticas de trabalho para arrancar o pão quotidiano das canhadas, por entre pedras onde nem sequer um arado podia ser aplicado, refleti e interroguei-me, naquela época, se de fato só mesmo nas zonas de mato do sul do Brasil se poderia exercer proveitosamente a agricultura.
Lembrava-me, então, da agricultura extensiva e altamente desenvolvida em terras de campo nos países vizinhos, Uruguai e Argentina.
Não se tinha desenvolvido uma sã agricultura naqueles campos?
Uma agricultura capaz de apresentar-se como concorrente no mercado mundial, sem que exigisse proteção alfandegária e sem ser condicionada às maléficas derrubadas de mato?
Seriam as condições dos solos de campo naqueles países tanto mais favoráveis que no Rio Grande do Sul?
Não restava dúvida ser os campos ao redor de Pelotas e também os de outras partes do Estado inferiores e nada animadores.
Em meio destas ponderações vieram-me as mãos o conhecido livro do Dr. Assis Brasil: "A Cultura dos Campos[2], o qual condena a colonização de matas, apregoando, ao mesmo tempo as possibilidades de atividades agrícolas em boas terras de campo de modo tão convincente que se me tornou fácil tomar uma resolução.
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Lançando-me a procura de campos realmente férteis que, pela conformação topográfica, permitissem o emprego de modernas máquinas agrícolas e que estivessem situados em zona de fáceis comunicações,cheguei a Bagé em Abril de 1925.
Acompanhavam-me os amigos Luiz Maciel e Otto Mielke.
Onde quer que fosse, manifestavam-se geral simpatia pelo nosso projeto da fundação de um núcleo colonial.
Tanto a população como os poderes oficiais nos demonstravam seu vivo interesse no caso.
Por intermédio de nosso amigo Eugênio Oberst[3], infelizmente, já falecido, imediatamente estabeleceu contato com o operoso e previdente, Dr. Carlos Mangabeira, então intendente de Bagé, o qual logo nos conseguiu, desinteressadamente, ofertas de vendas de diversas glebas de terras.
Entre os terrenos e fazendas oferecidos decidi-me, desde logo, pelo campo do Sr. Miguel Bifano, com 549 hm² de área.
Motivou a escolha a boa qualidade de suas terras negras e sua privilegiada posição geográfica.
A propriedade era denominada "Santa Theodora"; fazia limite com a “Ponta do Banhado Grande", a cerca de 4-8 km, ao sul da estação ferroviária do Rio Negro, posteriormente denominada Hulha Negra.
Diga-se, de passagem, que esta mesma propriedade anteriormente já tinha sido oferecida pelo Sr. Bifano à Intendência Municipal para fins de colonização.
Todas estas démarches tinham sido bem sucedidas e absolutamente não me faltava ânimo para lançar o início da colônia planejada.
Havia, porém, um grave senão: faltava-me o mais importante, o dinheiro, bem como mais outro fator essencial ao sucesso: colonos imbuídos do mesmo ideal que estivessem dispostos a se estabelecer no local escolhido.
Meus companheiros de viagem representavam apenas certo apoio moral e eu pessoalmente nada tinha.
Ah! Como a gente de Bagé teria ficado surpresa se tivesse tentado revolver meus bolsos vazios!
De volta de viagem, desenvolvi propaganda tão intensa nas antigas colônias de Pelotas, como se tivesse descoberto o paraíso.
De fato, depois de poucos dias consegui dirigir uma "expedição" ao Rio Negro,composta de 12 agricultores, parte dos quais simplesmente atraídos pela curiosidade, outra parte, porém, constituída de elementos realmente ansiosos na procura de boas terras.
Mas a excursão iniciada tão auspiciosamente redundou num fracasso.
Como se o Todo Poderoso fosse contrário às nossas intenções, mandou abrir todos os diques celestes para uma chuva torrencial tão prolongada como nunca mais verifiquei outra igual.
Durante oito longos dias arrastamos nossa permanência num cubículo que se arrogava a denominação de "Hotel”, em Rio Negro, sem ao menos poder tentar um avanço de "patrulha".
Alfredo, nosso hoteleiro, nunca em sua vida tinha abrigado tantos hóspedes e por isso entregava-se a correrias nervosas, trazia cobertores, banha e cebolas e nos fazia a corte, cheio de reverência, tencionando angariar nossa simpatia.
No entanto, não havia o que nos pudesse confortar, matávamos o tempo com jogos de cartas e contando velhas anedotas, mas mesmo assim tornamo-nos presas duma irritação crescente, pouco faltando que mutuamente nos tocássemos para fora, a chuva interminável.
Finalmente, depois de longa e dura provação, reapareceu o sol, convidando-nos a iniciar a marcha para a "terra da promissão".
Havendo imensa dificuldade de progredir na estrada barrenta, caminhávamos pelo campo encharcado, saltando sobre sangas de águas crescidas; num destes saltos por obstáculos o velhoSchnneidersuperestimou a força de suas pernas e se precipitou na água até a altura do umbigo.
Chegados à propriedade do Sr. Bifano todos puderam certificar-se da evidente fertilidade do solo, mas a maioria dos presentes insistia na volta imediata e isto, sem dúvida, era mau sinal.
Aquele que, da paisagem variável e atraente duma colônia do velho estilo, pela primeira vez chegar à solidão da campanha,nada mais avistando que a chirca cinzenta, sem querer se sentirá apossado dum sentimento de imenso abandono.
Dos doze esperançosos “conquistadores” por fim apenas três continuaram decididos a se empenhar com todas as suas forças na realização da colônia de campo.
Quando, depois de nova viagem de orientação,ainda só sobraram os mesmos três fiéis resolutos, convencionamos ultimar um contrato com o Sr. Bifano, contrato esse, que nos permitisse ganhar tempo a fim de arregimentar mais outros compradores dentro das colônias velhas.
Pelo contrato assinado em 28 de maio de 1925, redigido pelo notário bajeense Virgilino Antonio Flores, o curso de nossas idéias forçosamente entrava em forma mais concretas.
No citado contrato de arrendamento com opção de compra reza entre outras, verbalmente:
“... compareceram partes justas e contratadas de um lado como outorgante locador o Sr. Miguel Bifano, italiano, viúvo, proprietário, domiciliado nesta cidade e de outro como outorgados locatários os senhoresFrancisco Krenzinger, por si; e em representação na qualidade de procurador deGermano Bonow Primo, Francisco Beskow; eCarlos Schneider, todos casados, proprietários residentes na cidade de Pelotas...”
Resumindo para extrair somente o substancial e mais interessante do contrato, observem-se, ainda, os seguintes períodos:
“... O prazo do arrendamento é de seis meses consecutivos no máximo a contar do dia primeiro de junho próximo vindouro e terminar em primeiro de dezembro do corrente ano...”
“... Os locatários ficam com a faculdade e direito de lavrar as terras no dito imóvel, cada um dos quatro locatários uma área não superior a oito (oito) hectares, podendo, entretanto, arrancar toda chirca que quisessem...”
“... O locador se obriga a vender aos locatários o imóvel e as benfeitorias que faz objeto este contrato pelo preço de quatrocentos mil réis a braça de sesmaria... a ele ou a quem eles indicarem... pagamento metade à vista e o restante sobre hipoteca do mesmo imóvel...”
“... Fica estipulado que os locatários deixam depositados na mão do outorgante Miguel Bifano a quantia de dez contos de réis para garantia do cumprimento deste contrato de cuja quantia descontado o arrendamento do tempo decorrido a outra parte restante entrará como pagamento para dita compra e ainda acrescida com os juros de seis por cento ao ano”.
Parece-me que a citação destas cláusulas basta para demonstrar o peso dos compromissos assumidos que na realidade só poderiam ser satisfeitos se achássemos mais outros companheiros dispostos a participar na compra do imóvel.
Portanto, havia sobeja razão para intensificar a propaganda em prol da nova colônia de campo.
Não posso deixar de mencionar o companheiro mais resoluto e confiante da jornada: nosso velho amigo Gaspar Brandl.
Ele, após ouvir as descrições da situação que nos esperaria em Rio Negro, não teve dúvidas em arrumar suas malas e, acompanhado de sua esposa, embrenhar-se na região para ele ainda desconhecida.
A ele cabe, portanto, a honra de ser o primeiro pioneiro.
Passado um mês, em julho, segui-o, acompanhado de Emílio Otto e meu cunhadoErnesto Beskow,a fim de iniciar o desbravamento da área a mim destinada.
Trazíamos toda a nossa mudança; carroças, arados e outras ferramentas agrícolas dentro de um vagão.
Relembro sempre, com certa satisfação, da cena que se desenrolou na estação de Rio Negro; quando, ao descarregar nossos utensílios, acompanhados pelas vistas curiosas dos locais, um deles assim se manifestou:
- ”Estes alemães trazem muitos tarecos, mas ainda hão de abrir os olhos! Não lhes dou mais de um ano para se sumirem daqui, mas então desacompanhados de sua mudança, de tangas!”
Em fins de outubro, tínhamo-nos organizado de tal modo que o campo arrendado pode ser definitivamente dividido e escriturado.
De nenhuma parte se fez uso do direito de hipoteca, e no dia 29 de outubro de 1925adquiriram propriedade, mediante pagamento à vista, os seguintes agricultores:
- Francisco Krenzinger..............96 Ha
- Germano Bonow Primo...........75 Ha
- Francisco Beskow................... 65 Ha
- Ernesto Beskow.......................65 Ha
- Carlos Schneider......................65 Ha
- Frederico Leitzke.....................40 Ha
- Germano Schneider................. 25 Ha
- Carlos Schneider Filho........... 25 Ha
- Alberto Schneider.....................25 Ha
- Emílio Otte.............................. 10 Ha
- Otto A. C. Mielke…………… 8 Ha
Total 499 Ha
O Sr. Miguel Bifano teve conivência e compreensão suficiente para esperar pela venda da área restante.
No entanto, desta última já em 11 de dezembro foram escriturados mais os seguintes lotes:
- Theodoro Perleberg..................25 Ha
- Carlos Noerenberg....................25 Ha
Até ai os nomes e algarismos que, porém, só tem importância relativa quando se quer saber da participação e do mérito de cada um na fundação de nossa colônia, hoje florescente.
Seria mesmo uma falsificação histórica se quisesse inscrever com letras douradas na crônica os nomes dos primeiros compradores.
Havia entre estes também os que adquiriram terras por mera especulação ou, na melhor das hipóteses para auxiliar na obra; outros, com menos espírito empreendedor, ficavam a esperar os resultados obtidos pela primeira patrulha avançada, tencionando se transferir para cá, no caso de se vislumbrar o sucesso e ser o risco já menor...
Conseqüentemente, com a simples compra das terras ainda não se tinha criado uma colônia.
Apenas tinha nascido um organismo cuja vitalidade ainda estava em dúvida.
A garantia pelo posterior desenvolvimento e os alicerces duma sólida existência estava baseada, por um lado na fertilidade da terra, e de outro, em última análise, na capacidade, na energia e na persistência de todos aqueles que conseguiram sobrepujar as contrariedades imprevistas em épocas adversas; estes vitoriosos se tornaram os verdadeiros pioneiros.
Antes de continuar no meu relato sobre o labor destes bravos,permita-me lembrar que já antes de nossa chegada em 1925 aqui se praticava agricultura.
A qualidade deste solo humo-argiloso muito antes de nós já tinha atraído outros agricultores, como por exemplo, os "Canários", oriundos das Ilhas Canárias, cujos descendentes ainda hoje[4]aqui vivem do cultivo da terra, embora com menor sucesso.
Identicamente também alguns franceses, vindos do município de Pelotas, já tinham iniciado um movimento colonizador destes campos, mas poucas testemunhas desta obra pioneira aqui restaram.
Provam-no os nomes Martins e Pradiel, a cujos portadores foram legado aquele admirável espírito campônio com que participaram na formação da nova colônia.
Não por último, também várias famílias brasileiras locais, tais como os Soares, Garcia e Dutra, já se dedicavam, na época, a cultura do trigo e do milho, na qual aplicavam curioso método de trabalho: rasgavam mais do que lavravam o campo com sólidos arados puxados a boi e a semeadura era procedida de cima do lombo do cavalo.
O saco contendo a semente, seguro por uma mão na frente do lombilho, a outra espalhava a semente; para que o cavalo não se espantasse com os largos movimentos do braço e, ao mesmo tempo, para impedir que os grãos lhe penetrassem nas vistas e ouvidos, simplesmente cobria-lhe estes órgãos com um trapo velho.
A máquina de plantar milho e o arado capinador eram instrumentos até então desconhecidos e depois desacreditados.
Contudo, tivemos ensejo de aprender muitas coisas destes lavradores indígenas: enquanto eles comodamente lavravam o campo bruto com arados reforçados, nós nos detínhamos no ingrato e desnecessário trabalho de arrancar a chirca antes de introduzir o primeiro ferro.
No decorrer dos anos seguintes[5], sobretudo nos últimos em que o cultivo do trigo se tornou negócio rendoso, a participação puramente brasileira na evolução agrícola desta região era e continua sendo de tamanha importância que facilmente estaríamos inclinados a exagerar as delimitações da área ocupada pelo núcleo colonial.
Indubitavelmente não se trata aqui de dar ênfase à nacionalidade ou à descendência dos agricultores, mas sim da capacidade ética para uma profissão que habilita um homem a ser colono e o agrupamento destes colonos (desbravadores) em uma verdadeira colônia.
Neste sentido, e com justa razão, sempre poderemos falar de "uma colônia".
Com estas poucas digressões de meu relato tive em mente demonstrar a ativa colaboração que nos foi prestada pela população do município de Bagé, benevolente e sem preconceitos, em prol da fundação e da evolução da nossa colônia.
Apesar de terem sido escrituradas 13 frações de campo a agricultores pelotenses, logo no primeiro ano, o pequeno grupo de colonizadores que efetivamente se radicara era composto dos seguintes:
1. Gaspar Brandl que trabalhava na sua profissão de ferreiro junto ao habitante do lugar, Sr. Adeodato Dutra;
2. Emílio Otte, carpinteiro e plantador ao mesmo tempo;
3. A minha própria insignificância, auxiliada pelo meu laborioso cunhado Ernesto Beskow; finalmente ainda devo mencionar Alberto Schneider, cuja atividade aqui foi pouco depois encerrada com sua volta à Pelotas.
A estes se juntaram mais os seguintes em 1926 e 1927:
1. Reinhold Hollatz que provou ser camponês trabalhador e tenaz;
2. Otto Hoesel e depois Wendelin Langer com sua família numerosa;
3. Frederico Ebert, ainda solteiro naquela época. Todos eram alemães.
Com a posterior chegada das tradicionais famílias de colonos Beskow, Leitzke e Schneider tínhamos formado um ótimo núcleo de agricultores sem ilusões e sem pretensões.
A estes últimos acrescentaram-se, cronologicamente, Langmantel, infelizmente tão prematuramente falecido; as famílias Faulstich, Hauck, Macke, Kloppenburg, Grunwald, Oertel, Moerbaecher, Groeger, Pichler e outros.
Cada um dos aqui arribados representava então, verdadeiro batalhador por sua gleba e hoje podem ser considerados merecidos vencedores.
A princípio antepunha-lhes não só a maneira de trabalhar desconhecida de novo ambiente, obrigando-os a pagar pesado tributo de aprendizagem, como também havia falta de meios em toda a parte, pois geralmente tinham comprado maior área de campo do que seus parcos recursos restantes teriam permitido amanhar.
Ao contrario da colônia de mato, a de campo exige maiores despesas, as quais em geral eram subestimadas, tais como as instalações de casa de moradia, poço d’água, cercados para potreiros e outras mais.
Também os gêneros alimentícios que nas colônias antigas são produzidas em abundância, tiveram de ser inicialmente comprados, muitas vezes a preços escorchantes.
Não sendo de sua índole o viver de créditos, esta gente honrada passava inúmeros dias de dieta forçada, cheia de grandes preocupações, acontecendo, como realmente aconteceu serem, às vezes, forçados a vender objetos de valor pessoal, a fim de proporcionar-lhes a simples sobrevivência.
Logicamente não poderia brotar lá grande ânimo otimista no seio da novel colônia (lembro-me perfeitamente de quando a Sr.ª Kloppenburg teve de empenhar, em certa ocasião, um relógio de ouro, relíquia da família).
Lembre-se o principiante de hoje que naquele tempo ainda não se conhecia o crédito agrícola, atualmente concedido pelo Banco do Brasil, nem existiam variedades de trigo adaptadas e tão pouco dispúnhamos da experiência técnica agrícola que tão cara nos saiu, justamente para nós colonos do campo.
A impressão de desânimo geral por fim determinou a desistência dos que vinham afluindo de todas as regiões à procura de “terra da promissão".
Tínhamos escrito numerosos artigos em diversos jornais e anuários, exaltando sempre as possibilidades da atividade agrícola em nossa colônia de campo.
Só poucos dos atraídos juntaram-se a nossa empreitada, porém estes eram então, quase sempre homens possuidores dum nível espiritual superior ao reinante nas colônias velhas.
Tinham-se livrado do tradicional engano de que só seria possível a colonização de terras de mato e que não haveria probabilidade de existência para o colono onde não houvesse água corrente e espessas matas virgens; um falso dogma que aparentemente pressupõe que o homem vive do mato e não dos frutos da lavoura por ele organizada!
"As pedras fazem parte do solo, como os ossos do boi" é o que afirmavam os que estavam arraigados à suas colônias rochosas.
Já em 1928, tinha escrito as seguintes palavras no meu livreto intitulado "Vom Urwald zum Kamp" (Da mata virgem rumo ao campo):
"Mais ainda que os colonos das antigas zonas de colonização, o colono dos campos deverá ter maiores habilidades e conhecimentos que os comumente encontrados. Lá se depara com o quadro desolador das lavouras agonizantes, aqui com campos realmente ainda férteis, mas não com densas matas que pudessem ser maltratadas a enxada e fogo durante decênios”. Serão os colonos mais progressistas, certamente, que irão fundar seu povo na campanha”.
Neste sentido as necessidades, privações e misérias iniciais afortunadamente revelaram ser um fator, de sorte, porquanto os continuadores e a geração nova iam se compondo de elementos selecionados, ativos e resolutos que também nas épocas más não desistiram se seus intentos e assim garantiram a estabilidade da colônia.
Os méritos dos colonos aqui chegados em anos posteriores com isto absolutamente em nada são diminuídos, pois evidentemente também eles representam uma seleção de valores.
Basta citar os nomes dos Frantz, Mielke, Weis, Arns, Wechenfelder, Hamm, Schirmer, nomes estes, aureolados de virtudes e laboriosidade.
Todavia, o seu número é agora demasiadamente grande para que pudessem ser todos citados.
Os hábitos dos primeiros colonos eram caracterizados pelo seu pendor para a vida social, a qual se desenvolvia de modo intenso, embora houvesse tantos contratempos exteriores; sua expressão mais marcante se refletia em inesquecíveis festas acompanhadas de música, cantos e representações teatrais.
Era natural que estas festividades tivessem caráter germânico em virtude da nacionalidade ou descendência alemã de seus participantes.
Estávamos convictos do ponto de vista que prega ser imoral renegar a herança cultural dos antepassados e a repentina mudança da nacionalidade, tal como se muda de roupa.
Consideramos psiquicamente difícil esta transformação em brasileiros da gema, enquanto a voz do coração não no-la ditar, através de longos anos de colaboração e compartilha de sentimentos com o povo brasileiro.
Nossos filhos, porém, já são cidadãos completamente integrados na comunidade deste magnífico e futuroso país, ao qual nós os imigrados, agora expressamos nossa profunda gratidão pela maneira tolerante com que nos possibilitou a fundação de uma nova Pátria.
Não é possível detalhar estas resumidas explanações, citar todos os sucessos, acontecimentos e colaborações que contribuíram para a modelação do quadro atual da colônia, sobretudo os dos anos mais recentes.
O espaço é demasiadamente limitado para poder-se relembrar o auxílio altruísta a nós prestado durante decênios por um Álvaro Lopes Brasil ou seu irmão Dr. Jayme Brasil que aqui teve atuação destacada como agrônomo progressista.
Dever-se-ia citar também, e merecidamente, um Dr. Moritz e Dr. Beckman, bem como outros amigos da Estação Experimental.
Não se deveria omitir a família suíça Graf e de como prestou ajuda a tantos principiantes pobres, mas ativos, adiantando-lhes os meios para a formação de seus estabelecimentos que hoje florescem.
A família Graf era, por assim dizer, a antecessora da Carteira Agrícola do Banco do Brasil que atualmente financia plantadores grandes e pequenos agricultores por vocação e esporádicos.
É impossível cantar os louvores, em poucas palavras, merecidos pelos diversos administradores da comuna de Bagé entre os quais, não por último, nosso bom amigo Dr. Kluwe.
Agradecemos-lhes seu vivo interesse sempre demonstrado.
Deixaremos que outros, com melhores dons da palavra, enunciem o espírito e a incansável atividade dos Sacco, Deiro e outros, cuja operosidade à margem das atividades agrícolas, no comércio e na indústria, os fazem credores de nosso aplauso.
Antes do que a todos estes amigos, entretanto, as maiores honras cabem ao simples colono, ao desbravador, ao eterno criador do nosso pão de todos os dias e à sua inigualável esposa, sua fiel companheira no lar e na lavoura.
E por ser ele tão modesto de considerar uma graça de Deus o suor de seu nobre trabalho, por não fazer alarde de sua silenciosa atuação patriótica.
E por estas razões que com justiça o saudamos hoje, no dia em que a colônia completa 25 anos de existência, e lhe proclamamos: "Esta obra é tua".


[1] COM TRADUÇÃO DO ALEMÃO DE GERD KORBERG.
[2] JOAQUIM FRANCISCO DE ASSIS BRASIL. A CULTURA DOS CAMPOS: NOÇÕES GERAIS DE AGRICULTURA E ESPECIAIS DE ALGUNS CULTIVOS TUALMENTE MAIS URGENTES NO BRASIL. PRIMEIRA EDIÇÃO, PUBLICADA EM LISBOA, NO ANO DE 1898 E REEDITADA PELO GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. A SEGUNDA E A TERCEIRA FORAM EDITADAS EM PARIS, EM 1904 E 1909, RESPECTIVAMENTE.
[3] Bagé e a Grande Loja. Ainda não foi inteiramente superado o cisma maçônico de 1927 quando dissentiram o Grande Oriente do Brasil, potência que agrupava vários ritos e o Supremo Conselho, onde se praticava o sistema escocês. Alguns ainda desconhecem que essa cidade foi o embrião de uma grande potência. É que o grão-mestre Otávio Kelly pretendeu avocar, também, a direção do Conselho, que era comandado por Mário Behring; e, resistindo, o último se desligou do GOB e cuidou de reorganizar as lojas; e como as do Rio Grande do Sul se vincularam à Grande Loja do Rio de Janeiro, receberam instruções para fundar seu próprio consistório. Sugeriu-se que a loja Fraternidade, de Pelotas, buscasse as tratativas prévias, junto à Rocha Negra de São Gabriel e Amizade, de Bagé. As reuniões foram aqui realizadas por razões geográficas e se desenrolaram nos dias 8, 12, e 23 de dezembro de 1929 sempre com cultas delegações, destacando-se, entre outros, o doutor Brenno Brandão Fischer, que seria venerável da histórica Rocha Negra. Concluídas as etapas preliminares, finalmente, em oito de janeiro de 1929, instalou-se, no prédio da Loja Amizade, o célebre congresso maçônico que deu gênese à Grande Loja do Rio Grande do Sul. Os trabalhos iniciaram pela manhã, sob a presidência do venerável da loja gabrielense e secretariados por Otávio Pires Coelho, de Bagé, estando os bajeenses ainda representados por Claudionor Borges de Abreu, Eugenio Oberst, Ciríaco Lopes Couto e Brenno Fernando. Então, foram fundadoras da Grande Loja, a Rocha Negra nº 1; Amizade nº 2, Fraternidade n° 3 e a Caridade Santanense nº 4, que se incorporara ao novo grupo. Determinou-se que a potência seria sediada em Pelotas, até que a adesão das lojas de Rio Grande e Porto Alegre; e sendo seus primeiros dirigentes Manoel Serafim Gomes de Freitas, Grão-Mestre, da Fraternidade); Egralo de Souza, Grão-Mestre adjunto, pertencente à Rocha Negra;Eugênio Oberst, 1º Grande Vigilante (Amizade); Alexandre Gastau, 2º Grande Vigilante (Fraternidade); Rubens de Freitas Weyne, Grande Secretário (Fraternidade); Silvino J. Lopes, Grande Tesoureiro (Fraternidade); e Jorge Souza Duarte, Grande Orador (Caridade Santanense), completando os demais cargos um grupo de maçons pelotenses.
Mesmo com constituições provisórias, logo se acostaram outras oficinas, como Alegrete, Cacequi, Uruguaiana, São Francisco de Assis, Porto Alegre, etc. No Congresso de Paris de 1929, apenas os companheiros de Mário Behring foram admitidos no Supremo Conselho Mundial. Em 1928 começam as divergências locais, e a saída de alguns irmãos da Loja Amizade enseja a fundação da Loja Sigilo nº 14; fraternos desacordos, mais tarde, determinam a retirada de maçons desta loja e surge a Estrela dos Magos, de onde se retirariam outros iniciados, também, para organizar a Loja Adonai. Recentemente, confrades da Estrela dos Magos fundaram a Loja Estrela do Sul nº 84, que se filiou ao Grande Oriente do Brasil; egressos daquela oficina criaram a Loja ‘Cavalheiros da Liberdade nº 193’; e maçons oriundos da Loja Sigilo instalaram a Loja Rainha a Fronteira nº23. Sublinhe-se que em todas houve incorporação de irmãos adormecidos ou provenientes de outras entidades. Hoje pertencem à Grande Loja as oficinas Sigilo, Estrela dos Magos, Adonai, Cavalheiros da Liberdade e Rainha da Fronteira; a Amizade já se desgarrara há tempos para afiliar-se ao Grande Oriente do Rio Grande do Sul; e a Estrela do Sul, que recuperou o nome de uma das primeiras lojas de Bagé, pertence ao Grande Oriente do Brasil. Embora a tradição local aponte que os pioneiros de cada entidade tenham emigrado de outras lojas, a pluralidade não obscurece a harmonia. Muitos lembram que no passado alguns entusiastas da fraternidade vigorante chegaram a imaginar um Grande Oriente de Bagé, tal a unidade e sadia convivência entre os irmãos, o que encantava o país. (José Carlos Teixeira Giorgis). Disponível em:http://www.jornalminuano.com.br/noticia.php?id=23482&data=&volta==. Acessado em: 26 de outubro de 2009.

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