Bibliotequinha, ou das coisas improváveis

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Claudio Antunes Boucinha1


Em 1925, Carlos Alberto Gomes Cardim e o analfabetismo,

fechada porque vivia “às moscas”.

Cecília Meireles, protagonismo;

Anísio Teixeira, Educação Nova, de 1932.

Em 16 de abril de 1934, Rio de Janeiro,

Cecília Meireles, Pavilhão Mourisco,

contos árabes das Mil e Uma Noites,

Alfredo Burnier, 1907, fim da Avenida Beira-Mar, praia de Botafogo.

Neoislâmico, cúpulas douradas, cerâmicas,

azulejos espanhóis, inscrições árabes.

Decadência anos 20, quando abrigou Cecília Meireles.

Palco do teatro, “Caverna Maravilhosa”, lâmpada do Aladim,

sala de música, cinema, fundo do mar,

sala de leitura, vidraças coloridas, mesas alegres,

iluminados postes de barro com flores,

livros, mãos infantis.

Tapete mágico, oferecido, vejo desabrocharem histórias encantadas em que

“quase não acreditamos mais…”.

“Estou vivamente empenhada em coisas transcendentes...

Arranjar verba para serviços da Biblioteca...

Certas tentações de me declarar comunista oficialmente,

para ver se arranjo uma subvenção de Moscou…

Tudo está obscuro demais, embora para fundação lendária,

instalada num pavilhão de vidro,

e dirigida por uma criatura tão improvável como eu…”.

Comunista de ofício ou oficial?

História Oficial?

“O Pavilhão Mourisco, divertimento predileto,

manualidades (modelagem, pintura, desenho),

primeiro “mecanô”2,

sessãozinha de cinema toda quinta-feira.

O dia triste, domingo, pavilhão não abria”3.

na enseada de Botafogo, demolido, em 1950, plano modernizador da cidade.

As conotações comunistas de Tom Sawyer, em 1937,

para um Getúlio não tão populista assim.

Uncle Tom's Cabin; or, Life Among the Lowly, Harriet Elisabeth Beecher Stowe.

Navio Negreiro, de Castro Alves.

Lenyra Fraccaroli, Monteiro Lobato, 1936,

em São Paulo de Mário de Andrade.

Denise Fernandes Tavares, 18 de abril de 1950,

em Salvador, Monteiro Lobato.

Bondes elétricos, ruas, paralelepípedos,

cidade das missas, largo do Terreiro de Jesus, domingos,

petroleiros, Petrobras, bailes nos clubes, rinha de galo,

feiras livres, candomblés, veraneio em Itapuã,

do terno branco de linho e do vestido engomado, das obras de Jorge Amado,

esculturas de Carybé e da música de Dorival Caymmi.

Fábulas em realidade.

Casinha branca, janelas azuis,

rodeada de oitizeiros,

ponta de grande jardim arborizado e fresco,

Jardim de Nazaré, Hospital Santa Isabel.

Local encantado, escutar histórias, ler, folhear livros feitos só para elas,

onde saltavam às vistas, ganhavam vida personagens feitos de panos,

sabugos, ventos, poeiras, mares.

Fábulas tornavam-se realidade,

sonhos e amores nasciam e cresciam a cada história contada e lida.

Dentro da casinha azul, mágico.

Mundo das letras, livros, mundo das crianças.

Biblioteca Infantil do Norte e nordeste.4

Jeanne Cappe5, Luís da Câmara Cascudo6,

Contos da Carochinha e Histórias do Trancoso.

“Se, durante séculos,

nós nem sequer pensamos em dar às crianças roupas que lhes fossem apropriadas, como pensaríamos em lhes dar livros?

(…) Em que momento se pensou que elas podiam desejar outras leituras além daquelas da escola, outras obras além dos catecismos ou das gramáticas?

Que revolucionário percebeu a sua existência e ousou consagrá-la?

Que observador perspicaz, baixando os olhos, viu ao seu redor, crianças?

Que benfeitor lhes trouxe a alegria,

multiplicada ao infinito,

de possuir enfim um livro que fosse realmente delas?”7.

La méthode des fables en psychanalyse infantile, Louisa Duss.

Malba Tahan.

"A infância serve para brincar e imitar"8.

E a televisão, como vai?

Dezembro de 1950, em Bagé, Escola José Octávio, São Martim.

Rainha da Fronteira, 30 de março de 1953, D. Maria Martins Rossel.

José de Alencar, Machado de Assis, Tristão de Ataíde,

Otávio de Faria, Chesterton, Chateaubriand,

Samuel Smiles, “aqueles que aos vinte anos, nada sabem,

aos trinta, nada fazem, e aos quarenta, nada possuem”.

Gustave Flaubert.

Perrault, Grimm, Lobato9.

Andersen, Galland, La Fontaine.

Daniel de Foe, Rousseau, Robert Baden-Powell.

Montaigne, Maria Montessori, Helen Parkhurst, John Dewey.

Peter Petersen (Pädagoge), controverso, nazista, racista e antissemita.

Tem algo de racionalidade, no nacional-socialismo?

Certamente, que não.

É fruto de preconceitos que não têm nenhum fundamento científico.

Pode-se separar, a obra do autor, em antes e o depois, no jovem e no velho, primeiro e último?

Eis o nó górdio.

Jean Delvolvé (1872-1947),

e o “Questionário-guia para a observação do caráter moral das crianças na escola (1915)”.10

Adonias Filho11, o integralismo e o livro infantil12.

Até onde o cientificismo construiu o ninho do ovo da serpente13 do integralismo?

Dom Pedrito, professora, Leda do Amaral Freire.

Em 1954, Manoelito de Ornellas, Abilio Garcia, Arnaldo Faria,

Eurico Salis, Dr. Álvaro de Godoy.

Pedro Wayne, Lagoa da Música, Xarqueadas14.

Grupo de Bagé, democracia,

Guarany e Bagé. Calvet.

O Aeroporto, o modelo ferroviário e a rodovia.

O Colégio Estadual.

Em 1954, Lucília Minssen15, Porto Alegre.

De Cachoeira do Sul, para o mundo.

Lêda do Amaral Freire, 1956, biblioteconomia16.

“Chave mágica capaz de revelar mil segredos;

alavanca com poder de realizar milagres;

uma força poderosa para arrastar todas as montanhas da dificuldade”17.

“Miss” Margarida McCloskey e Decroly,

Evelyn Riggs Dewey, filha de John Dewey e de Alice Chipman Dewey.

Jean Piaget.

Karl Ludwig Bühler e “la edad del 'chimpancé' y la edad de 'Robinson'”18.

Em 1967, Freis Capuchinhos, Érico Veríssimo.

Em 6 de junho de 1968, Praça Carlos Gomes.

Waldir Alves Ramos e a gratuidade da vida.

Salão literário, escolinha de artes, teatrinho.

É uma história já contada?

São favas contadas?

O passado, jamais?

Tantas vidas, tantas emoções vividas.

Qual o significado de um monumento a não ser

do que diz no coração?

São apenas os livros,

ou será que algo toma conta do próprio ar que respiramos?

A biblioteca acabou?







1 Historiador. Licenciado em História. Mestre em História do Brasil

2 “Conjunto mecanô “Jano. Brinquedo que desenvolve a inteligência do seu filho. Variedade de peças que permite a montagem de balanços, patinetes, carroussel, et. Preço normal: Cr$ 250,00. Preço só dia 16: … Cr $ 145,00”. Diário da Noite, 1948. http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=221961_02&pagfis=48303&url=http://memoria.bn.br/docreader#

3 Cecília Meireles e o encantamento árabe na biblioteca do Pavilhão Mourisco; 18 de abril de 2021 às 12:00 | Publicado em: Artigo, Ásia & Américas, Brasil, Opinião. https://www.monitordooriente.com/20210418-cecilia-meireles-e-o-encantamento-arabe-na-biblioteca-do-pavilhao-mourisco/ .

7 HAZARD Paul. Les livres, les enfants et les hommes, Paris, Flammarion, 1932 (27octobre), 283 p. Citado por: Escola Nova: MONTEIRO LOBATO & PAUL FAUCHER. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduaçe História Literária do Instituto de Estudos da Linguagemda Universidade Estadual de Campinas, para a o título de Doutor em Literatura Comparada. Orientadora: ProfªDrª Marisa Philbert Lajolo. Universidade Estaual de Campinas, 2009. http://repositorio.unicamp.br/Busca/Download?codigoArquivo=491999

9 Crônica dos Municípios. Biblioteca Infantil em Bagé. George Teixeira Giorgis. Diário de Notícias. Ano XXX. Porto Alegre, quinta-feira, 13 de maio de 1954. Nº 59, p. 5. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=093726_03&pesq=biblioteca%20infantil,%20bag%C3%A9&hf=memoria.bn.br&pagfis=1682 .

10 “Professor. - Associado de Filosofia. - Doutor em Letras (1906). - Professor de pedagogia e filosofia moral. - Professor, então professor da Faculdade de Letras da Universidade de Montpellier (1909-1922); na Faculdade de Letras da Universidade de Toulouse (a partir de 1922). - Membro fundador da Sociedade Filosófica de Toulouse. https://data.bnf.fr/fr/15127203/jean_delvolve/

11 https://pt.wikipedia.org/wiki/Adonias_Filho . “Adonias Aguiar Filho (Itajuípe, 27 de novembro de 1915 — Ilhéus, 2 de agosto de 1990) foi um integralista,[http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/280402/1/Dantas_RobsonNorberto_D.pdf] jornalista, crítico literário, ensaísta e romancista brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras. Era considerado o principal crítico literário do Brasil em sua época.[FILHO, Adonias (1958). «Orelhas». Modernos Ficcionistas Brasileiros. Rio de Janeiro: O Cruzeiro.]

12 Letras e Artes : Suplemento de A Manhã (RJ) - 1946 a 1954. Domingo, 27 de maio de 1951, p. 6. http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=114774&pagfis=2680&url=http://memoria.bn.br/docreader#

14 Manoelito de Ornellas em Bagé. Jornal do Dia. Ano VIII.Número 2.333. Porto Alegre, sexta-feira, 12 de novembro de 1954, p. 2.

17 Leda do Amaral Freire. Citada por Malba Tahan. A Arte de Ler e Contar Histórias. 4ª edição. Rio de Janeiro: Conquista, 1964.

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