Estética das Cidades: Caminhando para o Céu - Sobre o Caminho e o Caminhar



Claudio Antunes Boucinha1



Lia Costa Carvalho, no seu blog, http://liafotografa.blogspot.no/2013/09/desenho-urbano-167.html , imagem publicada pela autora, na segunda-feira, setembro 02, 2013, com o título “[desenho urbano] # 167”, revela um aspecto da paisagem urbana que poderia servir para meditação sobre a estética das cidades.
O desenho das calçadas e das ruas, com suas sinuosidades, como se fossem curvas de um rio, acompanham o caminhar dos transeuntes, caminhantes, mesmo que andem não necessariamente nas calçadas, rompendo com suposta ordem expressada na divisão entre a rua e a calçada. Num conjunto que expressa certa harmonia, a paisagem urbana expressa também estética, em que o ser e a geografia das cidades fazem parte de mesmo contexto, de mesmo pensamento. Muitas vezes, o ser é visto como oposição a cidade, como se a cidade fosse desumanizada. Será que a cidade é artificial? Ou seja, a cidade, como construção humana, serviria para um propósito anti-humano? Haveria desumanização da cidade? Esse aspecto supostamente não humano da cidade é passível de mudança? A cidade expressa estética, mas não expressa única estética. Nesse mosaico estético, nesse caleidoscópio urbano, o que deve ser valorizado e o que não deve? Enfim, o conteúdo supostamente artificial da cidade, em oposição a certo caminho natural ou da própria natureza, numa valoração que se afina com certo “naturalismo” ou “realismo”, em que a cidade vai supostamente contra a natureza, ou além da natureza, é defensável? Afinal, de que são feitas as cidades? As pedras das pavimentações das calçadas e das ruas apareceram ali por livre e espontânea vontade? É lógico que as pedras reproduzem história; não só pelas pedras em si mesmas, mas por toda a construção humana aplicada em cada uma dessas pedras. Logo, já não falamos somente de ruas e calçadas inertes, sem vida, repetitivas e monótonas; mas lugares de passagem, de passeios, de sentimentos, emoções, olhares, meditação, contemplação.
Vamos olhar a calçada como se fosse o caminho para o céu, em que as marcas de Antônio Machado2, sugerem o significado do andar, da imediaticidade do movimento, da ausência de fórmulas, da pequenez humana, da infinitude do mundo, do desespero do mundo, da mutação, dos ciclos, da vida que se apresenta cada vez mais frutífera, em que o passado mora ao lado, deslocando-se com o presente e com o futuro caminhar:
Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar”.3


Mas é importante também falar das sobrevivências, das permanências, das “prisões”, das “sujeições”, das “estruturas”, de longa duração4, como dizia Fernand Braudel5.

O exemplo mais acessível parece ainda o da sujeição geográfica, O homem é prisioneiro, há séculos, de climas, vegetações, populações animais, culturas, de um equilíbrio lentamente construído, do qual não pode se afastar sem correr o risco de tudo reformular. Veja-se o papel da transumância na vida montanhesa, a permanência de certos setores de vida marítima, enraizados em certos pontos privilegiados das articulações litorâneas, a durável implantação das cidades, a persistência das rotas e tráficos, a fixidez surpreendente do quadro geográfico das civilizações. (...) “Entre os tempos diferentes da história, a longa duração apresenta-se, assim, como uma personagem embaraçosa, complicada, muitas vêzes inédita. Admiti-la no coração de nosso trabalho não será um simples jogo, o habitual alargamento de estudos e curiosidades. Não se tratará mais de uma escolha da qual êle será o único beneficiário . Para o historiador, admiti-lo é prestar-se á uma mudança de estilo, de atitude, a uma mudança de pensamento, a uma nova concepção do social. E' familiarizar-se com um tempo mais lento, por vêzes quase no limite do instável. Neste andar, não em outro qualquer, — voltaremos a isso, — é lícito desprender-se do tempo exigente da história, dêle sair, depois voltar, mas com outros olhos, cheios de outras inquietações, outras perguntas . Em todo caso, é com relação a estas grandes extensões de história lenta que a totalidade da história pode ser repensada, como a partir de uma infra-estrutura. Todos os andares, todos os milhares de andares, todos os milhares de fragmentos do tempo da história são compreendidos a partir desta profundidade, desta semi-imobilidade; tudo gira em torno dela”.6







Penso que as calçadas e as ruas, com suas memórias gravadas nas pedras, que remontam ao Império Romano e muito mais, aquém e além, deveriam ter uma olhar mais cuidadoso, acurado, preciso, precioso, para aquilo que a gente pisa, todos os dias, sem dar o mínimo valor. É uma paisagem que está alí, nosso olhar acostumou. Mas muda tudo, muda nosso olhar. Pode ser bom, pode ser ruim, mas nem sempre o novo pode ser melhor que o antigo, que embora velho, pode dizer muito mais. 
Penso que certas calçadas, em Bagé, deveriam ter um tratamento especial, um tombamento em separado, para maior e melhor visualização por parte da comunidade.
1Mestre em História do Brasil(PUCRS). Licenciado em História (UFSM).
2Antonio Cipriano José María y Francisco de Santa Ana Machado Ruiz, conhecido como Antonio Machado (Sevilha, 26 de julho de 1875 — †Collioure, França, 22 de fevereiro de 1939) foi um poeta espanhol, pertencente ao Modernismo. Antonio Machado .
3"Proverbios y cantares XXIX" [Proverbs and Songs 29], Campos de Castilla (1912); trans. Betty Jean Craige in Selected Poems of Antonio Machado (Louisiana State University Press, 1979). Antonio Machado .
4"Longa duração – Wikipédia, a enciclopédia livre." https://pt.wikipedia.org/wiki/Longa_dura%C3%A7%C3%A3o. Acessado em 2 nov. 2019.
5"Fernand Braudel – Wikipédia, a enciclopédia livre." https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernand_Braudel. Acessado em 2 nov. 2019.
6N.° 62 Abril-Junho 1965 Vol. XXX — REVISTA DE HISTÓRIA — Ano XVI ARTIGOS HISTÓRIA E CIÊNCIAS SOCIAIS. A longa duração (Tradução de Ana Maria de Almeida Camargo de artigo publicado in Annales E. S. C., n.o 4, outubro-dezembro de 1958).FERNAND BRAUDEL do Colégio de França. http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/123422/119736 . http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/123422 .

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