ESTÂNCIAS E FAZENDAS, OBRA CICLÓPICA – YUYÚ GUZMANN, UM ESTILO A SER SEGUIDO

Introdução

O texto de Jorge Baleeiro de Lacerda apontava para os limites de uma suposta leitura marxista das estâncias; estará certo?

 

Estâncias e Fazendas, obra ciclópica - Yuyú Guzmann,

um estilo a ser seguido – I

Em março-abril pp, durante dez dias, hóspede de amigos, andei pela Argentina, província de Buenos Aires, no afã de ampliar meus conhecimentos de La Pampa e, por via de consequência, traçar um paralelo entre nossas estâncias e as deles, baseando-me na bibliografia existente, sobremodo na obra de Yuyú Guzmann, que tão bem me recebeu em sua residência em Buenos Aires.

Yuyú já publicou sete livros sobre as estâncias argentinas: “Estancias de Azul’’ (1976), “Estancias de Azul y Pobladores Franceses em la zona rural” (1978), “Viejas Estancias en El Pago de Magdalena” (1985), “Estancias de Tandil” (1986 e 1998), “El País de las Estancias” (1983), “En la Ruta de las Estancias” e “Viejas Estancias de La Patagônia” (2009).

Promete para breve “Estancias Coloniales Rioplatenses”.

Imaginava traçar um paralelo entre brasileiras que escreveram romances ou ensaio sobre fazendas ou estâncias brasileiras como Maria Eloá de Souza Lima, de Jataí, Goiás; Yara Maria Botelho Vieira, de Bagé (RS); Cecília de Assis Brasil, de Pinheiro Machado (RS); Ana Luiza Martins e Cândida Maria de Arruda Botelho, ambas de São Paulo; e Yuyú Guzmann, mas a temática é diversa, cada uma, ligada às peculiaridades de sua região.

Por mais que me esforce em colocar alguma brasileira para disputar esse espaço com Yuyú Guzmann, fica-me claro que carecemos de uma obra, mesmo que de observação a puro campo, sem análise marxista, fiel ao materialismo histórico como dogmatiza a Academia.

Não temos, a bem da verdade, nossa Yuyú Guzmann das estâncias gaúchas.

Yuyú, em seus livros, não toma posição ideológica, não questiona o latifúndio nem lança farpas contra os estancieiros como seria comum nos textos marxistas eivados de ideologia.

Trata do registro.

Hoje, no Brasil, tudo que se refere ao passado deve ser demolido, questionado, tendo cada um sua “colocação” a fazer...

Não interessa o momento passado, suas circunstâncias, suas idiossincrasias.

Não se perguntará por que a estância surgiu como latifúndio, doada, na maioria das vezes, a militares para que defendessem as fronteira contra os castelhanos.

Mas esta é outra discussão!

São raras as brasileiras que trataram de temas campeiros.

Yara Maria Botelho Vieira, de Bagé, só aos 70 anos foi se dedicar ao tema específico “estâncias de Bagé”, e pelo visto não seguirá com outros livros.

Cecília de Assis Brasil, filha de Assis Brasil, tratou em seu diário de sua vida na estância e no castelo de Pedras Altas.

Como este texto é uma crônica, e não um ensaio acadêmico; permito-me ser lacunoso até pela vastidão do assunto.

Em 2005, saíram “As Estâncias Contam a História” – Bagé - texto e pesquisa da professora Yara Maria Botelho Vieira, de Bagé, e bicos-de-pena de Carlos Fontes (que publicou livro semelhante sobre as estâncias de Uruguaiana com Ricardo P. Duarte – dono da estância “Touro Passo”, onde já estive pesquisando).

Nas duas vezes que visitei a Estância do Limoeiro, no interior de Bagé, sugeri à professora Yara que se debruçasse sobre a história dos “corredores”; alguns deles da região da campanha, veredas fundamentais de uso comum, respeitadas depois que surgiram os alambrados, uma mudança radical na vida do pampa, outrora aberto, que séculos afora permitiram a expansão do gado bovino e do gado cavalar.

Yuyú Guzmann, que percorreu toda a Argentina e produziu notável trabalho, elogiado por gente do quilate do historiador Félix Luna, mesmo que ela ache que seus livros são “análisis del fenómeno estancia em la Argentina ‘a puro campo’, una investigación que me llevó a recorrer exhaustivamente el país”.

Excelente exemplo a ser seguido aqui com tanta gente formada em História.

Por exemplos, em Palmas, Paraná, as fazendas estão à míngua de uma história, mesmo resumida, de cada uma.

Em Minas Gerais, dezenas, centenas de fazendas dos séculos XVIII e XIX carecem de história escrita.

Como o Brasil é imenso, por certo, seria gigantesca a tarefa se dada a uma pessoa, mas pode ser distribuída por regiões.

Yuyú Guzmann já completou 25 anos só nesse tema e muito ainda terá pela frente.

Não desejou, até por falta de tempo, rebuscar todos os arquivos, andar à procura de minudências, de filigranas históricas, mas traçar o perfil da estância, sua vida campeira, como é seu “casco”, seu “ethos”, sua geografia, sua contribuição econômica e as transformações havidas, tudo isso em bom espanhol e sem o ranço do materialismo histórico. (Continua) [1]

 

Estâncias e Fazendas, obra ciclópica – Yuyú Guzmann,

um estilo a ser seguido - II (final)

Tudo somado, a Argentina ganhou, com os livros de Yuyú Guzmann, uma enciclopédia de suas estâncias, enquanto nós temos que catar um dado em cada canto, um texto em cada livro, em cada jornal, tudo muito fragmentado, em romances, novelas, contos e o que mais há aqui e acolá.

Há obras monumentais, sim, mas que carecem de síntese.

Se quisermos saber das fazendas dos Jesuítas, por exemplo, há que percorrer os dez volumes da obra do Padre Serafim Leite, se sobre as fazendas de café do Vale do Paraíba, outros dez de Affonso de Escragnolle Taunay.

Ninguém, no Brasil, tomou para si a tarefa de escrever específica e sinteticamente sobre o tema, amealhando imenso cabedal monotemático.

Yuyú Guzmann não só apresenta na televisão argentina, desde l993, o programa “El País de las Estancias”, produzido por seu filho Alejandro Toscano, que mui gentilmente me recebeu em sua casa de Tandil, onde faz a edição dos programas apresentados pelo Canal Rural, o que fez de Yuyú Guzmann um nome nacional, da mesma forma já proferiu mais de 350 palestras, produziu dezenas documentários e milhares fotos e slides.

Sua biblioteca, que me foi aberta pela autora, encerra o que de mais importante já se escreveu sobre a vida gaúcha na Argentina e no Uruguai.

Levei-lhe alguns livros nossos inclusive os de Yara Botelho Vieira.

Falei-lhe de alguns clássicos nossos.

Lamentei que brasileiros e argentinos; mesmo gente muito culta houvesse lido pouco os grandes autores, como Jorge L. Borges que teria lido alguma coisa de Machado de Assis e algumas páginas de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, na versão castelhana “Los Sertones”.

Quantos brasileiros cultos leram Ricardo Güiraldes, José Hernández (cujo túmulo visitei no Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, da mesma forma que estive na biblioteca do Museu de Ayacucho, que tem a mais completa coleção de “Martin Fierro”, em duas dezenas de línguas), Leopoldo Lugones, Tito Saubidet, Marcos Sastre, Roberto Payró, W. Hudson, Roberto C. Dowdall, Emílio Solanet e Estanislao Zeballos para que pudessem conhecer algo mais da Argentina campeira?

De seu arquivo, Yuyú retirou algumas duplicatas de velhos textos, reportagens, artigos, fotos, fitas e CDs e deles me fez presente para que melhor conhecesse seu trabalho, além de me dar livros sobre temas campeiros, ampliando destarte meu acervo sobre o tema, iniciado, no que tange ao universo gauchesco, no Rio Grande do Sul, em l974, quando, pela primeira vez, andei pelo pampa brasileiro.

Somente em 1996 iria à Argentina pela vez primeira.

Em São Gabriel, o amigo Osório Santana Figueiredo, que tem vasta obra, em que se destacam “Maneco Pereira, o homem que laçava com o pé” e “Carreteadas Heróicas”, poderia ter assumido o papel de estudioso das estâncias gaúchas se se tivesse determinado a percorrer o Rio Grande do Sul, mas já tem trabalho que chega a sua idolatrada São Gabriel, de que só saía à força para lançar seus livros.

Perdeu o Brasil.

Na visita que faz às estâncias, Yuyú Guzmann mescla fatos históricos, pitorescos, vida campeira com dados sobre o “casco”, a sede da estância, a história de família.

Como conhece a história de cada uma por pesquisa anterior, o programa tem qualidade, evitando a superficialidade e o improviso.

Vi, em sua casa, quanto material bibliográfico reuniu, ao longo dos anos, para produzir seu programa, dirigido e filmado por seu filho, e seus livros.

Agradeço-lhe os livros que me presenteou, seus e de outros autores.

Também lhe levei livros.

Falei-lhe sobre nossas fazendas e lhe pedi desculpas pela falta de síntese até porque não há como falar sobre as fazendas da ilha de Marajó, do Nordeste, de Minas Gerais, de São Paulo, do Paraná, de Mato Grosso, de Goiás sem fazer distinções, sem traçar algumas divisórias.

Só as fazendas de Minas Gerais do século XVII demandariam quantos volumes?

Afinal o Brasil é um continente.

Oxalá, Brasil adentro, em cada região, em cada Estado, estudiosos da nossa “hinterland” disponham-se a pesquisar sobre nossas fazendas como Yuyú Guzmann o fez em relação às da Argentina.

Deixo aqui o registro desse exemplo de obstinação, de amor à vida campeira.

Buenas y gracias, tchê. [2]


[1] Jorge Baleeiro de Lacerda.31 de julho de 2010. http://www.jornaldebeltrao.com.br/conteudo/coluna.asp?id=1727&autor=46 .

[2] Jorge Baleeiro de Lacerda.07 de agosto de 2010. http://www.jornaldebeltrao.com.br/conteudo/coluna.asp?id=1730&autor=46 .

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