O Processo Gaffrée - Capítulo I




O Processo Gaffrée

Cláudio Antunes Boucinha 1


Introdução


A ideia inicial é fazer uma recompilação do clássico de Itiberê Moura, visando uma revisão de literatura sobre o caso, procurando inserir a obra em seu contexto, frente ao que se sabe hoje, em termos de teoria. O estudo tem seus limites, até porque a gama de assuntos é muito vasta.


Capítulo I

Dreyfus, Tom Mooney, Gaffrée : Semelhanças entre Processos

Itiberê de Moura.


A minha mulher e meus filhos – pela sua dedicação e bom companheirismo.

À memória de meus pais – cujo exemplo de trabalho e noção de dever procuro seguir.


Prefácio

O autor estuda, através de processos criminais célebres e de maneira acessível a todos, o fenômeno da sugestão coletiva como causa de erros judiciários.

Trata-se de um livro original, talvez único no Brasil, em que o advogado, debatendo caso profissional, se revela um escritor simples e elegante, deduzindo em amena forma literária uma completa defesa do seu cliente.

Versando principalmente o momentoso Caso Gaffrée – um processo que embora instaurado no foro de Bagé, Rio Grande do Sul, atraiu a atenção nacional – o autor, defensor do cirurgião Dr. Cândido Gaffrée, faz um estudo comparativo desse caso com o famoso processo francês do capitão Alfredo Dreyfus e com o também célebre processo norte-americano, Tom Mooney, nos quais a sugestão decisivamente contribuiu para a prática de injustiças conhecidas e deploradas no mundo inteiro.

A originalidade deste volume consiste em ter sido escrito de forma a torná-lo interessante e útil aos técnicos e aos leigos, ao mesmo tempo.

A exposição dos assuntos é feita com tal coordenação e vivacidade, que difícil se torna interromper a leitura do comentário de cada processo. 2


Explicação


Os artigos que reúno neste volume foram publicados no Diário de Notícias 3 de Porto Alegre, no período de 12 de fevereiro a 20 de abril de 1950.

E foram escritos em dois meses e uma semana, precisamente, à medida que iam sendo publicados.

Não lhes faço agora uma revisão mais ampla, de modo que são dados a lume com as imperfeições da pressa.

Às publicações dei os seguintes títulos, que aqui mantenho:

  1. O Famoso Processo Dreyfus4;

  2. Tom Mooney5 – O Dreyfus da América do Norte”; e

  3. Gaffrée – O Dreyfus do Rio Grande”.

Como explico no texto, minha preocupação é fazer a contrassugestão no processo-crime instaurado, no foro de Bagé, contra o Dr. Cândido Brum Gaffrée, cuja defesa está confiada a mim e ao Dr. Otávio Santos 6.

Convicto da inocência do constituinte e de que uma sugestão coletiva impede a opinião pública de enxergar a verdade, cuidei rebater tal sugestão, para que a improcedência da acusação possa mostrar-se em toda a sua nitidez.

Versei antes os casos Dreyfus e Tom Mooney, não só pela sua semelhança, em linha de fraude e sugestão, com o processo Gaffrée, como também para mostrar que entre povos de maior civilização e cultura se verificaram os mesmos fatores de deturpação da verdade que aqui ocorrem, contribuindo para aumentar o acervo de erros judiciários de que nos dá notícia a história humana.

Nada de novo há no que refiro a respeito dos dois casos estrangeiros, pois tudo colhi em alguns livros e num artigo de imprensa, entre aqueles a documentada e notável obra de Paul Richard7, da coleção Henri Robert sobre processos célebres. 8

Apenas, procurei expor o processo Dreyfus segundo a ordem lógica dos fatos, pela correlação entre eles existente e não na ordem cronológica, como tem feito os que dele trataram.

Original, ponto de vista que reputo meu, é a sustentação de que a “minuta” não foi remetida no pacote provindo diariamente da Embaixada Alemã em Paris e organizado pelos espiões Brücker 9 e Bastian 10; foi forjada por Esterhazy e Henri, fingindo este tê-la retirado daquele pacote 11.

Cheguei a essa conclusão em face do depoimento do coronel Schwartzkoppen 12, adido militar alemão, que declarou jamais ter recebido a “minuta”, não sendo possível, assim, que tivesse rasgado e jogado à cesta de papéis, para ser ali recolhida pelos mencionados espiões ou qualquer outra pessoa.

Durante as publicações relativas ao processo Gaffrée travei debate, pelas colunas do mesmo jornal, com várias pessoas interessadas na acusação.

Em diversos capítulos, entre eles os de números XXI, XII e XIII, faço referências a essa polêmica, que transcrevo em apêndice.

Já hoje, somente um ignorante poderá negar que existe, na realidade, uma psicologia das multidões e que a sugestão a estas ilude e domina, não raro, nos processos criminais de larga divulgação pela imprensa.

Assim, se não fizesse eu este esforço no sentido de mostrar que as notícias divulgadas desde 1944 não expressam a realidade do caso, daria prova de desídia profissional.

O presente trabalho atendeu, pois, a imposição do mais elementar dever de mandato, que cabia cumprir.

Conto, que a pressa com que o cumpri servirá para escusar-me de suas deficiências e desvalia.

Porto Alegre – Maio de 1950.

O autor.

Notas


1 Licenciado em História(UFSM). Mestre em História(PUCRS).

2 Oficinas Gráficas da Livraria do Globo s/a, Porto Alegre, 1950.

6“O afeto à leitura e aos livros, tem sede também na presença em bibliotecas. O local funciona como laboratório de cultura onde o manuseio de obras que não se pode adquirir supre a dificuldade e soluciona a dúvida. O contato com velhos periódicos reconstrói o passado. O ambiente de silêncio e meditação descansa o espírito e acalma a curiosidade. Serve ao estudo. Acrescenta saber. Quando adolescentes o pai nos levava à biblioteca, ainda no artístico prédio que ficava no prolongamento da rua General Sampaio, dobrando a Capelinha, fronteiro à Casa Ramos e defronte da loja Figueiró e da sede do Aeroclube de saudosas quermesses. Era ponto de reunião de intelectuais. E ninho de raridades encadernadas. Conferências magistrais ali aconteciam. Grandes escritores palestravam. E políticos. A biblioteca foi sonhada por um grupo que se reunia na redação de O Dever, jornal criado em 15 de novembro de 1901, porta-voz do Partido Republicano Rio-grandense e do castilhismo/borgismo; e mais tarde adversário de o Correio do Sul, de Fanfa Ribas, federalista e seguidor de Gaspar Martins. O primeiro teve, entre seus diretores, Lindolfo Collor, ancestral de um presidente da República; e o bajeense Adolfo Luiz Dupont, promotor público, deputado estadual e federal e vice-presidente da Assembleia Legislativa, sobretudo, um combativo editor. Alguns falam que a aspiração daquele núcleo literário começara em 1903. Otávio dos Santos foi jornalista político da folha castilhista. Mais tarde daria forma para outra gazeta chamada A Reação. A biblioteca foi inaugurada em 24 de novembro de 1933, inicialmente na rua General Sampaio, nº 159, mais tarde na avenida Sete de Setembro, nº 124. No ato, estava presente o general Gervásio Rodrigues, prefeito nomeado pelo interventor Flores da Cunha; Costábile Hipólito, vigário da Paróquia São Sebastião; a senhorinha Corinha Gomes, madrinha da biblioteca; a banda do 12º RC; e muita gente. A primeira diretoria era composta por Artur Santayana Mascarenhas, presidente; Otávio dos Santos, vice; Pedro Rubens Wayne, secretário; Fernando Borba, 2º secretário; Artur Magalhães, tesoureiro; e Favorino Teixeira Mércio, bibliotecário. O orador, Otávio dos Santos, fez um chamamento aos seguidores do Partido Liberal e aos membros da oposição; aos integralistas e comunistas; aos capitalistas e operários; aos nacionais e estrangeiros e aos homens de todos os credos, sublinhando que

'a biblioteca é de todos, exatamente por não pertencer a ninguém, coisa pública que ela é'.

Otávio dos Santos (n. 20.11.1899; f. 29.11.1978), bacharelou-se na Faculdade de Direito de Pelotas em 1936. Mas antes, como permitido, estreara no júri em 24/06/1923, como defensor dativo de réu que ninguém quis patrocinar em razão de sua participação na revolução de 1923. Aficionado pela instituição do júri, reconhecia que ela ainda praticava

'a menos imperfeita das justiças humanas'. Orador candente impressionava por seu talento. E coerência política. No processo instaurado nesta cidade em 1964, perante a Justiça Militar, foi o defensor de 28 dos 40 “subversivos”. E o fez gratuitamente. Dele disse Osvaldo Moraes ter sido

'um advogado do princípio ao fim, que empolgou o júri, onde ouvi-lo era um fascínio'.

E George Teixeira Giorgis que o Dr. Otávio

'transigiu com a honorabilidade profissional nunca abdicando das ideias próprias, pelas quais sempre nutriu forte apego'.

Otávio dos Santos é o patrono da octogenária biblioteca pública, agora dirigida pela ativa e competente Carmen Lúcia Grilo Gomes, que lhe imprime uma gestão destacada em sintonia com os desígnios dos pioneiros que almejaram tornar Bagé uma proeminência na erudição do país. Devaneio, é verdade, que ainda nos arrebata”.

JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS (OPINIÃO). “O Doutor Otávio e a biblioteca pública”; 02/12/2017. http://www.jornalminuano.com.br/noticia/2017/12/02/o-doutor-otavio-e-a-biblioteca-publica .

A biblioteca foi idealizada por um grupo de pessoas reunidas na redação do jornal O Dever. O jornal foi fundado em 15 de novembro de 1901 e era um defensor do Partido Republicano do Estado (Partido Republicano Rio-grandense) e da linha política conservadora representada por Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros. Mais tarde, O Dever se tornou rival do jornal O Correio do Sul, fundado por Fanfa Ribas, federalista e seguidora de Gaspar Martins. O Dever era dirigido, entre outros, por Lindolfo Collor, cujo neto foi presidente do Brasil, e pelo combativo editor Adolfo Luiz Dupont, natural de Bagé, promotor público, deputado federal, deputado estadual e vice-presidente da Assembleia Legislativa do Estado. Otávio dos Santos, cujo nome foi dado à biblioteca, foi jornalista político do jornal Folha Castilhista. Mais tarde, ele conceberia outra gazeta, intitulada A Reação. A biblioteca foi inaugurada em 24 de novembro de 1933, na Rua General Sampaio, 159. Posteriormente, foi transferido para a Avenida Sete de Setembro 124, onde está hoje. Na cerimônia de inauguração estiveram presentes o General Gervásio Rodrigues (prefeito indicado pelo Interveniente Estadual Flores da Cunha), Constábile Hipólito (vigário da freguesia de São Sebastião), Corinha Gomes (madrinha da biblioteca), a banda do 12 º Regimento de Cavalaria, e muita gente presente. A primeira diretoria da biblioteca foi composta por Artur Santayana Mascarenhas, como presidente, Otávio dos Santos, como vice-presidente, Pedro Rubens Wayne, como secretário, Fernando Borba, como segundo secretário, Artur Magalhães como tesoureiro, e Favorino Teixeira Mércio, como bibliotecário. O palestrante, Otávio dos Santos, fez uma chamada pública aos partidários do Partido Liberal e seus opositores, integralistas e comunistas, capitalistas e operários, indígenas e estrangeiros, homens de todos os credos, afirmando que “a biblioteca é para todos, justamente porque não pertencer a qualquer pessoa, um bem público que seja”. http://www.turismobage.com.br/pontos.php?id=66 .

Dr. Cândido Gaffrée. Em 27 de janeiro de 1948 era distribuído para o Primeiro Cartório do Foro da Comarca de Bagé o arrolamento de valores depositados na Caixa Econômica Federal em nome de Cândido Pitré Gafrée, filho do Dr. Cândido Gafrée, que havia falecido no Rio de Janeiro em 15 de junho do ano anterior. Foi advogado do inventariante o Dr. Otávio dos Santos. O compromisso e demais atos atinentes se processaram perante o Juiz Municipal Dr. Lourenço Valério Centeno, sendo escrivão o Sr. Darcy Meirelles da Luz e Oficial Ajudante sua irmã Ely Luz. 

José Carlos Teixeira Giorgis. jgiorgis@terra.com.br . Desembargador aposentado e escritor. (OPINIÃO). Bagé raiz; 21/02/2020. http://www.jornalminuano.com.br/noticia/2020/02/21/bage-raiz.

Pe. DOMINGOS ANTÔNIO IPPOLITO (HIPÓLITO). Filho de Costábile Ippolito e Brígida Di Giaimo, nasceu em 12 de novembro de 1836 na Paróquia de Madonna Assunta de Castellabate, Cava dei Tirreni, Província de Salerno, Itália. Ex-noviço beneditino, ordenou-se em 1860. No Brasil o sobrenome materno transformou-se em "Jayme" para honrar sua progenitura, tanto que se assinava como "Pe. Domingos Antônio Hipólito Jayme". Foi tio do Monsenhor Costábile Ippolito (Hipólito), pároco de Bagé. Vindo ao Brasil, por decreto imperial de 08 de julho de 1874 é nomeado Capelão-Tenente do Exército, cargo que ocupa por largos anos nas guarnições do Rio Grande do Sul,especialmente em São Gabriel. Pregava bem e possuía grande coragem, tendo sustentado vários duelos. Faleceu em São Gabriel, aos 64 anos de idade, a 20 de setembro de 1900, "com os socorros da Igreja". 

 José Carlos Teixeira Giorgis. “O clero bajeense (1833-1905)”. Pesquisa: "O antigo clero diocesano do Rio Grande do Sul (1737-1910) ", de Arlindo Rubert. Santa Maria: Pallotti, 2005. jgiorgis@terra.com.br . Desembargador aposentado e escritor.(OPINIÃO); 28/09/2019.http://www.jornalminuano.com.br/noticia/2019/09/28/o-clero-bajeense-1833-1905

MONSENHOR COSTÁBILE IPPOLITO (HIPÓLITO). Filho de Andrea Ippolito e Joana de Sessa, nasceu na Paróquia de Madonna Assunta de Castellabate, Abadia de Cava dei Tirreni, Província de Salermo, tal como seu tio padre Domingos Ippolito, aqui já retratado, que o trouxe para o Rio Grande do Sul. Costábile foi noviço beneditino em dita Abadia. No Seminário de Porto Alegre, completa seus estudos, sendo ordenado em 2 de agosto de 1891 por Dom Cláudio José Ponce de Leão. Hábil e inteligente foi apreciado orador sacro. Distingue-se como educador da juventude. Foi Pároco em igreja no Bairro Menino Deus (1893-1896), e depois na Igreja do Rosário (1896-1906). Trouxe os irmãos maristas para Porto Alegre, sendo fundador do Colégio Rosário, estabelecimento de que se originou a Pontifícia Universidade Católica. Quando falece, em Bagé, o Cônego João de Bittencourt, consta que a maçonaria local não queria mais vigário no município. Dom Cláudio escreve aos líderes bajeenses que haveria de "lhes mandar um pároco, que seria também amigo deles (daí, possivelmente, provém a lenda que Costábile era maçom). Com essa estratégia, em 1906, Costábile foi provisionado Vigário de Bagé, "onde, por meio século, fez o que pode para manter e desenvolver o espírito religioso da difícil e extensa freguesia, evitando atritos com os anticlericais". Aqui, o Monsenhor tenta trazer os maristas para fundar um colégio em Bagé o que, todavia, não acontece, eis que ditos religiosos desistiram da empreitada fato que se deve muito à chegada dos salesianos, também apadrinhados por Costábile. Hipólito dedica-se também à misericórdia com os pobres. Por duas vezes foi eleito Vigário Capitular da Diocese de Pelotas e Cônego Honorário do Cabido de Porto Alegre. Deixa o cargo de pároco em 1955. Falece em 13 de agosto de 1956, aos 94 anos. Leituras. "A Igreja de São Sebastião de Bagé", de Tarcísio Antonio Costa Taborda, 1975 (Capa de Glauco Rodrigues, com longo e erudito prefácio de Dante de Laytano). "O Antigo Clero Diocesano do Rio Grande do Sul )1737-1910), de Arlindo Rubert, Gráfica Pallotti, Santa Maria, 2005. “O Clero bajeense (1811-1906)”. 

José Carlos Teixeira Giorgis jgiorgis@terra.com.br . Desembargador aposentado e escritor. (OPINIÃO); 05/10/2019. http://www.jornalminuano.com.br/noticia/2019/10/05/o-clero-bajeense-1811-1906

7 Os Grandes Processos Da História 11. O Processo Dreyfus. Paul Richard. Coleção: Os Grandes Processos Da História. Editora: Globo RS. Ano: 1941. Les grands procès de l'Histoire, Paris, Payot, 4 t., 2 vol., 1926, 250 p. https://fr.wikipedia.org/wiki/Henri-Robert .

8 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA VOL. XXIII 1896 TOM O I CARTAS DE INGLATERRA MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE RIO DE JANEIRO – 1946. “Foram tirados cem exemplares em papel buff on especial, e cinco mil em papel vergé, do presente volume das Obras Completas de Rui Barbosa, mandadas publicar, sob os auspícios do Governo Federal, pelo Ministro Gustavo Capanema. dentro do plano aprovado pelo decreto-lei n. 9 3.668. de 30 de setembro de 1941. baixado pelo presidente Getúlio Vargas, e de acordo com o decreto 21.182, de 27 de maio de 1946. do teor seguinte: O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 74, letra a, da Constituição, decreta: Art. 1. Fica o Diretor da Casa de Rui Barbosa autorizado a contratar dentro dos recursos orçamentários de cada ano, com as Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional, a edição de volumes das obras completas de Rui Barbosa, a fim de acelerar os serviços executados pela Imprensa Nacional, na forma do Decreto-Lei n. 3.668. de 30 de setembro de 1941. Art. 2. Nas edições a cargo das Empresas referidas no artigo anterior, serão observados os mesmos característicos, exigências e padrões gráficos adotados nas edições feitas pela Imprensa Nacional e obedecer-se-á ao plano estabelecido pelo Decreto-Lei n. 9 3.668. de 30 de setembro de 1941. a fim de assegurar a uniformidade da coleção. Art. 3.º O contrato de edição entre a Casa de Rui Barbosa e as Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional será previamente aprovado pelo Ministro da Educação e Saúde; nele se assegurará a entrega ao governo de um número de exemplares suficientes para ser distribuído às bibliotecas. Art. 4. O presente Decreto entrará em vigor a partir da data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Rio de Janeiro. 27 de maio de 1946. 125.º da Independência e 58.º da República. EURICO G. DUTRA Ernesto de Souza Campos”. http://sistemas.stf.jus.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/229/5442.pdf?sequence=1&isAllowed=y .

“Três olhares sobre o processo Dreyfus”. O capitão do Exército francês Alfred Dreyfus (1859-1935) foi desembarcado a 12 de março de 1885 numa ilha de 3.000 metros quadrados, no litoral da Guiana, sintomaticamente chamada de Ilha do Diabo. Começava a cumprir, há cem anos, a pena de deportação por um crime que não cometeu. O

“Affaire Dreyfus”

é um ponto de referência obrigatório de muitas histórias que se sobrepõem umas às outras. Há a história do antissemitismo (Dreyfus era judeu). Há também a história da Europa e da tensão entre França e Alemanha, que já haviam se enfrentado em duas guerras e teriam ainda duas outras pela frente (Dreyfus foi acusado de entregar segredos militares à embaixada alemã em Paris). Há a história da imprensa, que pela primeira vez liderou na França um amplo e preconceituoso movimento pela condenação do oficial

“traidor”.

Há a história da esquerda francesa, bem mais ambígua quanto ao caso que o quiseram crer seus cronistas oficiais. Há, por fim, a história da

“intelligentzia”

(Emile Zola e outros), que se empenhou pela correção do erro judiciário e se machucou com a agressão movida pelos porta-vozes das razões de Estado.

O curioso é que os cem anos do "Affaire" tenham passado, fora da França, relativamente desapercebidos. Em termos de anti-semitismo, por exemplo, Dreyfus é um exemplo ao mesmo tempo mais didático e menos explícito que o cinquentenário da liberação de Auschwitz. Ocorreu num país que mantinha fértil o útero da "besta imunda", apesar da liberdade de imprensa e do pluralismo partidário da Terceira República.

No Brasil, são três os lançamentos que fornecem uma angulação diferenciada do "Affaire".

Há em primeiro lugar as 700 páginas de "O Caso Dreyfus", do historiador francês Jean-Denis Bredin, que a Scritta traduz de um original publicado há dois anos e que, a exemplo dos sete volumes publicados a partir de 1901 por Joseph Reinach, tem o propósito de fornecer uma linha factual definitiva às múltiplas investigações.

Em seguida, "O Processo do Capitão Dreyfus", a primeira das Cartas da Inglaterra que Rui Barbosa (1849-1923), exilado em Londres, publicou no "Jornal do Comércio", em 1895.

Aplaudir retrospectivamente Rui tem um quê de anacronismo bacharelesco. Mas seu texto, reeditado pela Giordano, faz com inegável brilhantismo o percurso entre o plano político e o plano das aberrações processuais que, em dezembro de 1894, permitiram a condenação do capitão francês.

Por fim, a ser lançado ainda pela Imago, os "Diários Completos do Capitão Dreyfus", escritos durante os cinco anos de degredo na Ilha do Diabo e prosseguidos após sua segunda condenação.

Tanto o panfleto de Rui quanto os "Diários" são complementados por textos de Alberto Dines, por certo o brasileiro mais atento às lições políticas potencialmente contidas no "Affaire".

"O anti-semitismo científico teve em Dreyfus a primeira oportunidade para experimentar a metodologia da virulência e, nos dreyfusards (simpatizantes da causa do capitão), o primeiro exercício para enfrentá-lo", afirma ele.

Em termos factuais —e é o que demonstra o livro de Jean-Denis Bredin— o Exército possuía da França uma visão de grandeza comprometida pela derrota face aos alemães, em 1871, e pela democracia republicana, que favorecia a ascensão de estratos alheios à ideia comumente homogênea (e cristã) de nação.

Não foi por acaso que coube ao Estado-Maior do Exército o papel de vilão na farsa jurídica que vitimou o capitão judeu. Agindo de comum acordo com o serviço secreto, coube-lhe a missão de forjar documentos e de acobertar o verdadeiro espião, o capitão Walsin-Esterhazy, cujo desmascaramento colocaria abaixo a fragilidade do processo judicial.

A farsa corroeu de tal forma a instituição militar que o primeiro-ministro Charles Dupuy exporia em 1898 o miolo da questão de forma patética:

“Mas quando salvarmos Dreyfus, como salvaremos o Exército?”

O resultado viria, mais tarde, sob a forma de expurgo da oficialidade comprometida com o projeto monarquista.

No aparelho do Estado, muitos se deixaram enganar, sem que, no entanto, a descoberta do engano colocasse o aparato processual na direção da justa reparação.

A França já estava cirurgicamente dividida entre duas facções e os antidreyfusards detinham o poder.

A ruptura desse quadro estratificado teve como agentes os intelectuais (a palavra surgiu naquela época), sobretudo Emile Zola (1840-1902), então o maior romancista vivo da França. Em janeiro de 1898 publicou na primeira página do jornal

"L'Aurore"

sua carta-panfleto "J'Accuse" (Eu Acuso).

Seu propósito era responder processo por difamação ao presidente da República e relançar a inocência de Dreyfus no circuito do Judiciário. Não funcionou. Zola foi por duas vezes condenado e precisou se exilar na Inglaterra.

Alfred Dreyfus, no entanto, era mantido incomunicável, ignorava o quanto seu nome catalisava a França e —por meio da imprensa— recantos perdidos no mapa múndi, como São Luís do Maranhão, onde um grupo de senhoras se cotizava para comprar um presente para sua mulher, Lucie.

Os

"Diários"

que ele escreveu trazem uma tonalidade menos polifônica e épica que as discussões políticas provocadas por seu caso. É um oficial que insiste na reconquista de sua honra, ritualmente ferida pela cerimônia pública de degradação a que foi submetido antes de embarcar para a Guiana.

Acredita que a República é visceralmente generosa e o Exército justo. Escreve sucessivas cartas ao presidente e ao primeiro-ministro que ficarão sem respostas.

Anos depois, já reabilitado, escreveria com certa singeleza:

"Sou apenas um oficial de artilharia que um trágico erro judiciário impediu de seguir o seu caminho. O Dreyfus símbolo da justiça não é meu, foram eles que o criaram”.

JOÃO BATISTA NATALI. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/3/19/mais!/26.html

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