A Mulher do Chiqueiro

CAPÍTULO I



Cláudio Antunes Boucinha1




Introdução


A discussão sobre um filme que foi rodado em Bagé, em volta de um crime hediondo, sobre uma mulher que foi obrigada pelo marido a viver num chiqueiro, chama a atenção, para quem estuda as narrativas locais, a micro-história, a monografia. O estudo de casos criminais que envolvem toda a comunidade, de maneira escandalosa, que chegaram a ser registrados em jornais e revistas da época, revelam um pouco da alma humana e como os costumes locais podem interferir no comportamento, especialmente, na prática, de um crime. Uma das fontes para o estudo é Correio do Povo, Porto Alegre, 7.10.1913.
Em pesquisa no Museu Dom Diogo de Souza, em Bagé, o jornal Correio do Povo, Porto Alegre, domingo, 17 de março de 1974, p. 20, surge como primeira informação, através de uma reportagem, cuja manchete é “Pelotas, berço do cinema gaúcho”, cujo autor era Antônio Jesus Pfeil. Falava de dois amigos, Francisco Santos e Francisco Vieira Xavier, organizadores de um empreendimento, Guarany Films, em 1913. Estava registrado que Francisco Santos filmava em Bagé, o dito crime. Na pesquisa de Antônio Jesus Pfeil, também estava relacionada a fonte do registro, o jornal Diário Popular, 7 de maio de 1913. A intenção inicial de Francisco Santos era filmar a romaria em torno do enterro do Coronel José Otávio Gonçalves2.


Sidimar Rostan (2015)3, em interessante reportagem sobre o cinema em Bagé, especialmente a figura de Francisco Santos, indicava que o pioneiro cineasta registrou partida entre Sport Club Rio Branco e Sport Club União.

“PARTIDA DE FUTEBOL ENTRE O SPORT CLUB RIO BRANCO DE BAGÉ E O S.C. UNIÃO. Filme desaparecido . Categorias: Curta-metragem / Silencioso / Não ficção. Material original: 35mm, BP, 16q. Data e local de produção. Ano: 1913. País: BR. Cidade: Pelotas. Estado: RS. Data e local de lançamento. Data: 1913.01.00. Local: Pelotas. Sala(s): Ponto Chic. Gênero: Documentário. Termos descritores: Futebol. Descritores secundários: Sport Club Rio Branco de Bagé; Sport Club União. Produção: Companhia(s) produtora(s): Guarani Filmes. Produção: Santos, Francisco. Conteúdo examinado: N. Fontes utilizadas: YLS-PHC/FS4, citando Correio Mercantil, 10 e 14.01.1913. Observações: AJP/FCG5 refere-se à exibição entre 10 e 14 de janeiro de 1913. Nome correto da companhia produtora, segundo GNP/PCG6: .7


O Sport Club Rio Branco e o Sport Club União, ambos eram clubes da cidade de Pelotas.

“A referência como um dos principais clubes de futebol da cidade inicialmente foi dividida com clubes como o Sport Club União (fundado em 1908), o Grêmio Sportivo Guarany (fundado em 19098) e o Sport Club Rio Branco (fundado em 1910), seus principais adversários na primeira década do futebol pelotense. (…) Em 1913, sob a responsabilidade da Liga Pelotense de Futebol (fundada em 1907), Pelotas teve o seu primeiro campeonato citadino. Participaram da primeira edição dessa competição: Pelotas, Rio Branco, União, Guarany e Brasil. (…) Nesse ano e no seguinte, o clube realizou uma série de jogos amistosos na cidade e na região e, em 1913, junto com o Sport Club Pelotas, S. C. União, S. C. Rio Branco e Grêmio Sportivo Guarany, participou da primeira edição do campeonato citadino, organizado pela Liga Pelotense de Futebol, cumprindo assim, já nos seus primeiros anos de existência, uma agenda esportiva característica dos principais clubes da cidade na época”. 9



A propósito dos times de Bagé, em 1913, como também dos costumes da época, uma notícia de jornal informava que existia um “Club Rio Branco” na cidade. Os termos que envolviam a modalidade, eram em inglês. As pessoas andavam armadas, o que, circunstancialmente, condicionava ao crime por motivos fúteis:

Conflito e Morte. Bagé, 30 – Hoje, às 5 horas da tarde, na ocasião em que era jogado um 'match' de 'foot-ball' entre os 'teams' combinado 'Club Internacional' na cancha  do 'Club Rio Branco', o juiz de linha Thomas Scabillon, desconfiando que alguns espectadores do jogo estivessem rindo do fato de uma bola 'shootada' da cancha  ter atingido a sua cabeça, insultou com palavras injuriosas e agredindo depois a tiros de revólver, o jovem Satyro de Bittencourt. Este, por sua vez lançou mão do seu revólver, desfechando dois tiros contra o agressor, que caiu ao solo morto. Satyr apresentou-se à polícia. Na hora em que 'telegrafo', 9 da noite, o juiz distrital está inquirindo as testemunhas do fato, para decretar ou não a prisão preventiva  de Satyro, O facto tem sido aqui muito comentado. Satyro Bittencourt é filho de distinta família desta localidade”. [ http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=388653&PagFis=27855&Pesq=bag%C3%A9 . “A Federação”. 31 de outubro de 1913].


Leonardo Tajes Ferreira (Editor-chefe) & Gustavo Mansur (Adm.) & Alexandre Neutzling (Adm.)& Rafa Marin (Adm.) (2013), escolheram o nome do filme em estudo como “O Marido Fera”. Os responsáveis pela publicação afirmavam que o período em que a mulher ficou presa no chiqueiro foi de quatro anos:

“Outra produção é “O marido fera”. Essa produção abordou um caso policial ocorrido na cidade de Bagé, em 1913. A história girava em torno da desconfiança do marido de que a esposa lhe traía. Para sanar as dúvidas, o estancieiro resolveu prendê-la em uma espécie de chiqueiro, o que acarretou denúncia de populares. A polícia descobriu o cativeiro em 06 de outubro; a mulher vivia, há quatro anos10, acorrentada e no meio da lama, num cubículo coberto de capim, com dois palmos de comprimento por seis e meio de altura. Francisco Santos e Vieira Xavier não hesitaram em acompanhar este caso de tanta repercussão pública. Filmando in loco todos os lances da captura dos envolvidos, a reconstituição, a prisão e a agitação popular, logram realizar um documentário valioso. Conta-se que, no mesmo dia, de regresso para Pelotas, montaram uma câmara escura no vagão do trem, fazendo revelação e copiagem dos filmes durante a viagem. A repercussão nas outras cidades11 do Estado foram ótimas; em Bagé, por exemplo, a polícia chegou a proibir a venda de entradas para evitar superlotação no Coliseu. Com todo esse sucesso no Estado, a Guarany Filmes arrecadou uma excelente bilheteria.12


Beatriz Ana Loner & Lorena Almeida Gill & Mario Osorio Magalhães, [organizadores], (2017), publicaram interessante estudo sobre o cinema na cidade de Pelotas. Como o estudo fornece os fundamentos para uma reflexão maior, a citação literal do verbete vai ao sentido de melhor organizar o próprio conteúdo estudado. Os organizadores escolheram o título do filme como O Marido Fera, sem muita discussão.

“Cinema. A exibição de filmes. Onze meses separam o que se convencionou chamar de “a primeira sessão de cinema” (28 de dezembro de 1895, no Salão Indiano do Café des Capucines, em Paris, com o “cinematographo Lumière”) da primeira projeção de imagens em movimento para um público pagante, em Pelotas. O fato ocorreu em 26 de novembro de 1896, por iniciativa do pioneiro Francisco de Paola, três semanas depois da primeira exibição em Porto Alegre, em 4 de novembro, e quatro meses após a sessão inaugural do cinematógrafo no Brasil, ocorrida no Rio de Janeiro em 8 de julho. Ainda que não se possa considerar que a sessão de 1896 marcasse a instalação da primeira sala permanente de exibição de filmes na cidade ─ já que as “cenas mudas” eram projetadas em meio a apresentações musicais, de mágicos, de dança e de números circenses ─, a data serve, como as demais aqui relacionadas, como marco inaugural de uma atividade comercial que iria rapidamente se desenvolver pelos próximos anos. A primeira sessão com uso do cinematógrafo Lumière só vai acontecer em 1901, por iniciativa do empresário Henrique Sastre, com energia fornecida pela usina da empresa Moinho Pelotense: durante meses as projeções se sucederam no Theatro Sete de Abril, com imensa afluência de público, ávido por conhecer a novidade. Uma década depois, ao mesmo tempo em que se realizavam projeções em circunstâncias precárias ─ em clubes sociais, salões de festa e até no salão da Bibliotheca Pública, com uso de aparelhos europeus e norte-americanos ─, já eram várias as salas de exibição pública permanentes: o primeiro local a se estabelecer em caráter definitivo foi o Cinema Ponto Chic (Rua Quinze de Novembro esquina Sete de Setembro, propriedade de J. F. Passos), com sessão inaugural em 30 de março de 1912. Logo vieram mais três salas: a do Cinema Politheama (face à Praça Coronel Pedro Osorio esquina Rua Anchieta), a do Cinema Coliseu (Rua Anchieta entre General Telles e Dom Pedro II), bem como a do Cinema O Popular. Essas salas, funcionando como alternativa para outras atividades de diversão e lazer, inclusive como restaurantes, disputavam público crescente com os locais que exibiam preferencialmente “números de variedades”. A novidade revelara-se negócio extremamente lucrativo e desde o início do século XX o tradicional Theatro Sete de Abril arrendava o local para projeção de fitas.
Um dos arrendatários ─ Francisco Santos (Porto, 1872 − Bagé, 1937), que já vinha atuando no mercado de produção e exibição de filmes, com a Guarany-Films, tendo seu contrato de dois anos rescindido em 1919, resolveu, em sociedade com Rosauro Zambrano e Francisco Xavier, construir seu próprio teatro.
Em 18 de maio de 1921, ocorreu a sessão inaugural do portentoso Theatro Guarany, com a exibição de um melodrama de sucesso norte-americano (Defraudando o público, com a popular atriz Enid Markey, que ficaria sendo conhecida como a primeira Jane de Tarzan do cinema), em sete partes, para um público de 3.800 espectadores. Orquestra dirigida pelo maestro Romeu Tagnin acompanhou as imagens. Ficou “moderno” ir ao cinema: famílias alugavam camarotes, frisas permanentes, como até então se fazia para assistir a óperas e recitais no Theatro Sete de Abril. Afinal, o cinema já podia ser considerado como mais do que mera diversão popular: em 1911, o literato europeu Riccioto Canudo já o havia batizado como a “sétima arte”. No início dos anos 1930, a cidade dispunha de mais de uma dezena de salas exibidoras. Com o advento do cinema sonoro ─ o primeiro filme “falado” exibido em Pelotas foi uma “fita cantante”, Alvorada de amor (The love parade, Paramount, 1929, dirigida por Ernest Lubitsch, com Jeanette MacDonald e Maurice Chevalier), em 17 de dezembro de 1930, no Guarany, com o sofisticado sistema de som Western Eletric, da Paramount Pictures ─, proliferaram as empresas exibidoras e as salas se espalharam do centro para a periferia urbana, instituindo os cinemas de bairro.
Nos anos 1950, o público lotava as salas já tradicionais ─ Cine-Theatro Guarany (1921), Cine-Theatro Apollo (1925), CineTheatro Avenida (1926), Cinema Capitólio (1929), todos construídos por Francisco Santos, bem como o Cine-Theatro São Raphael e o aristocrático e já tradicional Theatro Sete de Abril ─ e prestigiava o aparecimento de novos locais, como o Cine América e o Cine-Rádio Pelotense.
Na década de 1960, apareceram o Cine Tabajara e o Cine Rei. Surgiu nessa época a primeira sala provida com sistema de calefação: o efêmero Cine Garibaldi, na zona do Porto.A fase áurea de um cinema para grandes plateias, que começara nos anos 1920, teve o seu apogeu nos anos 1950, com dezenas de salas projetando filmes das diversas cinematografias mundiais. Todas as novidades técnicas da indústria fílmica repercutiram na cidade. O primeiro filme brasileiro colorido ─ O destino em apuros (1953, dirigido pelo italiano Ernesto Remani, da produtora paulista Multifilmes) ─ foi exibido no Capitólio em 1953. Também nesse ano, o Avenida apresentou o primeiro filme produzido em Cinemascope ─ O manto sagrado (The robe, Henry Koster, USA, 1953, Twenty Century Fox). Em 1954, foi apresentada no Guarany, com estardalhaço e intensa afluência de público durante mais de um mês, a novidade do “cinema em três dimensões” ─ 3D, que exige o uso de óculos bicolores ─, com o filme Museu de cera (House of Wax, USA, 1953, dirigido por André de Toth). O sistema VistaVision, conquista técnica exclusiva da Paramount Pictures, alavancou o grande sucesso de Os dez mandamentos (The ten commandments, USA, 1956, dirigido por Cecil B. de Mille), em 1957, no Guarany. A partir do final dos anos 1960, como consequência do avanço comercial das redes de televisão e da facilidade possibilitada pela audiência de imagens em domicílio, o público afastou-se das salas exibidoras e muitos cinemas fecharam as bilheterias, o que refletia uma tendência mundial. Do início do século XX até os anos 1960, Pelotas contou, concomitantemente ou não, com 33 salas exibidoras, a saber, incluindo as já citadas: Cine Bandeirantes, Cine Benfica, Cine Continental, Cine Esmeralda, Cine Fragata, Cine Glória, Cine Presidente, Cine Sansca, CineTupy, Cine-Theatro Gonzaga, Cine 15, Cinema Coliseu, Cine Éder Salão, Cinema Eldorado, Cinema Excelsior, Cinema High Life, Cinema Ideal, Cinema Parisiense, Cinema Recreio Ideal. A produção de filmes. Seis anos depois das primeiras tomadas (prise de vues) cinematográficas no Brasil ─ vistas da Baía da Guanabara por Afonso Segreto, em 1898 ─, filmava-se em Pelotas pela primeira vez. José Filippi, vindo do Nordeste, usando um aparelho Bioscopo-inglês, realizou takes no Retiro, documentando uma festa regional de cavaleiros da União Gaúcha. O documentário foi exibido dois dias depois no Theatro Sete de Abril (26 de abril de 1904). Essa referência histórica, entretanto, não dá conta da produção sistemática de filmes na cidade.
Foi em 1912, com a fixação do ator português Francisco Santos em Pelotas, o qual, em sociedade com Francisco Vieira Xavier, estabeleceu a “Fábrica de filmes” Guarany-Films, que teve início a produção e exibição contínuas de fitas rodadas em Pelotas. Dezenas de cine-jornais (o “Jornal da tela 1913” teve 83 edições), curtas-metragens de ficção, “partes naturais”, documentários vários foram aqui produzidos e exibidos nos diversos cinematógrafos da cidade entre 1913 e 1914. O resultado dessa atividade foi tão importante que não se hesita em denominar o período como “Ciclo de Pelotas”, nas mesmas condições em que se reconhece a existência de outros focos importantes de produção intensa no país, em Cataguazes, Minas Gerais, ou em Pernambuco, fora do eixo Rio-São Paulo, durante as primeiras décadas do século XX. Ator e diretor de teatro, Santos investiu na criação de filmes de ficção: o chamado “cinema posado”, ou seja, filmes interpretados por atores, narrativas ficcionais, inspiradas em fatos do cotidiano, criadas especialmente para serem filmadas ou adaptadas de obras literárias. Os óculos do vovô (1913, 20 minutos), único exemplar que restou intacto, recuperado pelo pesquisador Jesus Pfeil, encontra-se depositado na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. O curta-metragem de ficção conta as peripécias de um menino travesso (Mário Santos) que pinta de preto as lentes dos óculos do vovô (Francisco Santos), enquanto esse dormia. Ao acordar, e acreditando-se cego, o avô se assusta e provoca uma série de situações cômicas. Dirigido e roteirizado por Santos, tem fotografia de Francisco Xavier. O formato do filme seguiu a linha de curtas de sucesso no mundo inteiro, a partir das primeiras fitas francesas de ficção dos irmãos Lumière e do pioneiro Georges Méliès, que narravam anedotas curtas, explicitando quiproquós da vida cotidiana. Dos outros filmes, inacabados ou desaparecidos, só restam informações publicadas em jornais e em arquivos particulares e nenhum fotograma. Segundo esses registros, os filmes seriam: Amor de perdição (1913), adaptação do romance de Camilo Castelo Branco; O beijo (1913); Maldito algoz (ou O álbum maldito, 1913);
O marido fera (1913, estreia em 17 de outubro13 em Pelotas, e em Porto Alegre em 24 de novembro, também referido como A mulher do chiqueiro).
Mas é O crime dos banhados (1914, 8 partes, 2.400 metros), considerado como o primeiro filme de longa-metragem de ficção feito no Brasil ─ já que Os estranguladores,de Antonio Leal, Rio de Janeiro, 1908, tido como o primeiro filme de ficção, tinha apenas 3 partes, 3 rolos, com duração de 40 minutos, ou seja, um médiametragem ─, que vai localizar Pelotas como importante pólo na produção nacional de filmes. O filme estreou no Cine Íris, em 25 de fevereiro de 1914, em Pelotas, e em Porto Alegre no dia 23 de março. Escrito, produzido, fotografado, interpretado e dirigido por Santos, o filme tem ainda no elenco Jaime Cardoso, Jorge Pinto, Abel Pêra, Manoel Pêra, Graziella Diniz, Antonieta Cancella, entre outros. Reconstituição ficcional de um crime ocorrido no Passo da Estiva, na vizinha cidade de Rio Grande, em abril de 1912, a fita se insere num gênero nacional muito cultuado na época: o de filmes sobre crimes e assassinatos de grande impacto social. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, e devido à consequente restrição à importação de filme virgem, a produção da Guarany-Films praticamente terminou. Francisco Santos e seu sócio, Francisco Xavier, dedicaram-se então exclusivamente à exibição de filmes, construindo, em 1920, a mais confortável e ampla sala de projeção da cidade, o Cine-Theatro Guarany. Pelotas jamais viveria um surto de produção e exibição de filmes locais igual. Diletantes e “cavadores” continuaram a filmar por aqui, esporadicamente, mas nada que se comparasse ao breve período de quase dois anos em que a cidade viu florescer uma incipiente, mas prolífica indústria cinematográfica.
Do ponto de vista da produção de filmes, outro fato registrável, até os anos 1960, foi a realização, quase que totalmente em locação na cidade, do filme, Ângela. Produção da paulista Companhia Cinematográfica Vera Cruz, de 1951, inicialmente sob a responsabilidade de Alberto Cavalcanti, o filme foi dirigido pelo ator e dramaturgo Abílio Pereira de Almeida e pelo imigrante norte-americano Tom Payne. Com elenco de atores famosos nas telas brasileiras ─ Eliane Lage, Alberto Ruschel, Inezita Barroso, Ruth de Souza, Luciano Salce ─, além de iniciantes, como Maria Clara Machado, Antunes Filho e Sérgio Cardoso, o filme contou com inúmeros pelotenses, como figurantes e até em pequenas participações, como a de Nóris Gastal. Durante as semanas em que se filmou na cidade, a circulação de técnicos e atores colocou em agitação os meios artísticos de Pelotas, principalmente de estudantes e de cinéfilos. Produto típico da marca de qualidade técnica da Vera Cruz, sob a inspiração de modelos vigentes do realismo noir do cinema norte-americano e do realismo poético europeu, a película teve locações na residência da família Maciel (onde hoje está instalado o Museu da Baronesa, no Areal) e no Clube Comercial, no centro da cidade. Atualmente distribuído pela Universal Pictures, encontra-se disponível em vídeo, além de ter cópia depositada na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. O cineclubismo. A cinefilia pelotense possibilitou que aqui se criassem condições propícias para o desenvolvimento dos clubes de cinema, por meio dos quais os cinéfilos puderam assistir a filmes importantes que não passavam pelas salas comerciais, ao mesmo tempo em que realizavam a necessária reflexão sobre a natureza estética dos filmes. Na esteira da proliferação dos cineclubs europeus ─ franceses, notadamente, logo após a Segunda Guerra Mundial ─, foi fundado o Círculo de Estudos Cinematográficos, em 14 de agosto de 1950, o qual deu origem ao Clube de Cinema de Pelotas. Aglutinando interesse de cinéfilos ─ estudantes, professores, pessoas ligadas às artes ou simplesmente diletantes ─, a entidade promoveu mais de duzentas sessões em suas diversas fases de funcionamento, até o final dos anos 1960. As sessões eram realizadas nos mais diversos locais, como salas de aula de escolas e faculdades, para projeções em 16 mm (a sala 54 da Faculdade de Odontologia acolheu dezenas de sessões sempre bastante concorridas), ou em salas de exibição dos cinemas locais que eram cedidas para os associados do clube aos domingos pela manhã, para exibição de filmes em 35 mm e debates muitas vezes acalorados. Filmes de cinematografias importantes da Europa e de países orientais puderam ser apreciados nessas sessões, constituindo-se os eventos como verdadeira programação de cinemateca, já que, sistematicamente, eram realizados também festivais de cinema, com o melhor da programação internacional, e que só circulava no âmbito cineclubístico. Até o final dos anos 1960, o Clube de Cinema teve em sua coordenação nomes como Luiz Fernando Lessa Freitas, Gustavo Gastal, Pedro Zanotta, Manoel Villanova, Hamilton Fernandes, Geraldo Valente, Aldyr Garcia Schlee, Pedro Luis Monti Prieto, Gisela Dias da Costa, Antonio Carlos Mazza Leite, João Manuel dos Santos Cunha, Laura Pedrotti, Jurema Lopes. Por essa mesma época, no início dos anos 1960, foi ativo, também, nos mesmos moldes do Clube de Cinema, o CineClube de Pelotas, por iniciativa da agência local do SESI, sob a responsabilidade de João de Deus Correa e animado por jovens estudantes secundaristas coordenados por Laerte Mario Pedrosa Jr. Outra iniciativa importante foi a criação do Clube de Cinema dos Gatos Pelados, do Colégio Municipal Pelotense, que promoveu vários festivais de cinema em “super 8”, sob a coordenação dos próprios estudantes, além de projeções, seguidas de debates, no auditório da escola. Pouco tempo antes de se dissolver, em meados dos anos 1970, coube ao clube do Colégio Pelotense façanha memorável: a exibição, em mais de trinta sessões, do curta-metragem Di Cavalcanti (Glauber Rocha, 1976), no breve espaço de tempo em que o filme circulou no âmbito cineclubístico, antes de sua apreensão pela Polícia Federal, interditado a pedido da família do pintor. Até hoje o filme não foi liberado para qualquer tipo de exibição, pública ou privada. A crítica. O que de importante a crítica cinematográfica em Pelotas produziu até o final dos anos 1960 está publicado nos jornais A Opinião Pública e Diário Popular, redigido pelos pelotenses Paulo Fontoura Gastal (1922-1996), sob pseudônimo de “Écran”, e Pery Gonçalves Ribas(1904–1979). Até o fim dos anos 1920, não se pode afirmar que tenha havido crítica de cinema sistemática em Pelotas; os poucos escritos publicados em jornais e revistas locais iam na direção do que a grande imprensa nacional também praticava: resenhas, notas informativas, entrevistas com artistas. P.F. Gastal, jornalista em tempo integral, iniciou-se na crítica de cinema em 1941, no Diário Popular, ao mesmo tempo em que trabalhava como programador em um cinema local. Dele, disse Paulo Emílio Salles Gomes: “É o principal responsável, no Rio Grande do Sul, pela constituição do público cinematográfico proporcionalmente mais evoluído do Brasil” (1981). Tendo se transferido para Porto Alegre, no final dos anos 1940, passou a colaborar com a Revista do Globo e, a partir de 1949, além de manter coluna crítica sobre cinema, com o pseudônimo de “Calvero”, tornou-se o mais importante jornalista da área cultural do estado, criando o “Caderno de Sábado” do jornal Correio do Povo, de Porto Alegre. A qualidade e o alcance popular de seus textos, bem como sua incansável atividade de animador cultural (criador do Festival de Cinema de Gramado e ativo cineclubista ─ sua colaboração foi decisiva para a criação e a manutenção das atividades do Clube de Cinema de Pelotas ─; assessor do cineasta Alberto Cavalcanti na criação do Instituto Nacional de Cinema – INC), levaram o jornalista Almir Labaki a afirmar ser ele “uma espécie de André Bazin dos Pampas, influência maior sobre mais de quatro gerações”. Sua produção crítica está compilada no livro Cadernos de cinema de P. F. Gastal. Pery Ribas iniciou sua trajetória como homem de cinema também em jornais pelotenses, daqui saindo para ser articulista na influente revista A Scena Muda, no Rio de Janeiro, tendo atuado ainda como crítico de cinema em alguns dos mais importantes periódicos brasileiros, como Cinearte e O Cruzeiro. Em 1927, assinou o roteiro do filme de longa-metragem Amor... Amor... Amor..., que se encontra desaparecido, produzido pela Gaúcha Filmes, em Pelotas. Foi ator de cinema (Alô, Alô Carnaval, 1936, de Adhemar Gonzaga; Ganga bruta, 1933, de Humberto Mauro) e participou, como entrevistado e personagem, do documentário De como se faz um jornal moderno (1933, de Adhemar Gonzaga). Cobriu festivais e lançamentos de filmes, sempre como jornalista e comentarista de cinema. Em seu retorno para Pelotas, entretanto, mais do que crítico de filmes, exercitou-se como pesquisador dotado de argúcia e espírito científico, numa época em que a atividade de investigação metodológica em cinema ainda não se institucionalizara. Seus textos, primeiramente publicados aqui, no jornal Diário Popular, repercutiram no país e no exterior, veiculados pelas principais revistas especializadas nacionais. Teve o ensaio Il cinema in Brasile fino al 1920 publicado na Itália, em 1961 (é nesse texto que ele apresenta dados sobre o “ciclo de Pelotas 1913-1914”, referência para todas as pesquisas que se sucederam sobre a produção local de cinema). Sua produção sistemática de biofilmografias e filmografias sustentou por anos a base da pesquisa historiográfica sobre cinema no Brasil. Seu arquivo – composto por milhares de peças, entre filmes, críticas, sinopses, fichas técnicas, fotos, recortes de jornais e revistas, cartazes de filmes, roteiros, entrevistas −, resultado de mais de cinquenta anos de vida dedicada exclusivamente ao cinema e aos filmes, juntamente com sua filmoteca e biblioteca especializada, que abrangiam mais de oitenta anos de cinema mundial, foram vendidos para particulares em Porto Alegre, visto que não se encontrou, em Pelotas, instituição que se interessasse pelo acervo14. 15


TOMAIN, Cássio dos Santos (2010), escolhe o nome de O Marido Fera e acrescenta outro título, O Crime de Bagé, sem apontar fontes. Vale registrar que o enquadramento do filme em contexto histórico do cinema brasileiro, a partir de uma classificação dentro do gênero, é importante.

“É de Francisco Santos, O Crime de Banhados (1913), um longa-metragem de mais de duas horas de duração sobre o assassinato de toda uma família, na fazenda Passo da Estiva, em Rio Grande, por motivos políticos. Este filme, assim como O Marido Fera ou o Crime de Bagé (1913), também do diretor, se enquadra em uma espécie de gênero de “filmes criminais” que foi comum entre as primeiras produções dos anos de 1910 do cinema brasileiro, seja em São Paulo, Rio de Janeiro ou Pelotas. Muitas destas produções eram realizadas no calor da hora, aproveitando o interesse do público pela trama amplamente noticiada na imprensa. Ainda em 1913 a Fábrica Guarany realizou outros dois filmes ficcionais, O Álbum Maldito e Os Óculos do Vovô, este último considerado, ainda hoje, o filme de ficção brasileiro mais antigo preservado”. 16


Viviane Abejaneda17, (2012), citando matéria do Jornal Minuano, produzida por Melissa Louçan, que usou como fonte o trabalho de Elizabeth Macedo de Fagundes, Inventário Cultural de Bagé , registrou parte da presença de Francisco dos Santos, em Bagé, em 1934.

“Cinema Apolo: de propriedade de Francisco Santos, foi construído em 1934. O projeto e a construção ficaram a cargo de Lourenço Lahorgue. Fechou na década de 1950 e cedeu espaço ao Cine Presidente, de Kucera”.18


A Cinemateca, sem indicar data de publicação, registrou o filme em estudo como O Marido Fera. No registro, mais informações, especialmente sobre o nome dos envolvidos no crime; a data da ocorrência, 6 de outubro de 1913. A Cinemateca apontava outro período para a prisão no chiqueiro, quatro anos. Apontava, como fonte, o jornal Correio do Povo, Porto Alegre, dia 7 de outubro de 1913. Em suas “Observações”, fez interessante debate sobre qual seria o nome, afinal, do filme: Marido Fera ou A Mulher do Chiqueiro?

“O MARIDO FERA. Filme desaparecido. Outras remetências de título: MARIDO FERA; A MULHER DO CHIQUEIRO. Categorias: Curta-metragem / Silencioso / Não ficção. Material original: 35mm, BP, 1.200m, 16q. Data e local de produção. Ano: 1913. Início: 1913.10.00.País: BR. Cidade: Pelotas. Estado: RS. Data e local de lançamento. Data: 1913.10.17. Local: Pelotas. Sala(s): Coliseu. Circuito exibidor. Exibido em Bagé, Santa Maria e Rio Grande, em outubro de 1913. Exibido em Porto Alegre a 24.11.1913, no Íris. Sinopse: "Caso policial ocorrido na cidade de Bagé, em 1913 (…). Desconfiado de que a esposa lhe traía, um estancieiro resolveu prendê-la numa espécie de chiqueiro. Uma denúncia de populares levou a polícia, em 6 de outubro, ao local do cativeiro. A pobre mulher vivia há quatro anos, acorrentada e no meio da lama, num cubículo coberto de capim, com doze palmos de comprimento por seis e meio de altura. 'Trata-se de José Alves da Silva (…) A população em massa afluiu à Intendência Municipal, a fim de ver a vítima, que ali estava recolhida. A polícia procura o criminoso. A população quer linchá-lo.' (Correio do Povo, Porto Alegre, 7.10.1913). Francisco Santos e Vieira Xavier rumaram para Bagé, a tempo de presenciar a prisão do responsável pelo crime e de uma criada que fazia às vezes de carcereira.(Foram filmados) - in loco - todos os lances da captura dos envolvidos, a reconstituição, a prisão e a agitação popular". (YLS-PHC/FS19). Gênero: Documentário. Termos descritores: Crime; Mulher. Descritores secundários: Silva, José Alves da; Alves, Rafaela; Branco, Orfila Lopes; Polícia. Termos geográficos. Bagé – RS. Produção: Companhia(s) produtora(s): Guarani Filmes. Produção: Xavier, Francisco Vieira; Santos, Francisco. Fotografia:... Operador: Santos, Francisco. Identidades/elenco: Silva, José Alves da. Conteúdo examinado: N. Fontes utilizadas: YLS-PHC/FS20, p. 61-3. AJP/P21 in Correio do Povo, Porto Alegre, 17.03.1974, p. 20. AJP/FCG22. Fontes consultadas: TB/CRGS, artigo de Antonio Jesus Pfeil, p. 21. ALSN/DFB-LM. Observações: e já foram considerados dois filmes distintos. YLS-PHC/FS23 não tem dúvidas de que são um único filme; AJP/FCG24 e TB/CRGS25 concordam. No entanto, AJP/P26 traz uma sinopse mais nuançada para : o filme abordava "um notório caso de adultério, fato que aconteceu na cidade de Rio Grande (RS). Um cidadão, ciente da infidelidade da esposa, chegando mesmo a surpreendê-la em flagrante, levou o caso à justiça. O processo se desenvolve(u) com grande repercussão em Rio Grande e Pelotas". CS/FCB27 informa que seria o nome da segunda série do filme , de 1914. Nome correto da companhia produtora, segundo GNP/PCG28: . A fonte ALSN/DFB-LM29 acredita que este filme é um longa-metragem com direção de e . Esta fonte aceita como título principal .30


Conforme Antônio Jesus Pfeil, sem data de publicação, Francisco Santos filmou outros, em Bagé e outras cidades próximas: “Centenário e Exposição de Bagé, Um Curtume Pelotense, Uma Visita à Hidráulica de Bagé (em outubro) e Manobras em Jaguarão (em novembro)”.

“Os cinemas continuavam lotados. Em Bagé, no dia 19/9, Francisco Santos, empresário teatral, anunciava que iria montar, no estado, com o nome de Guarany, um estúdio de filmes e que já tinha encomendado os aparelhos necessários. (…) a Guarany Films foi inaugurada em 16/01/1913, na cidade de Pelotas, e tinha como sócio Francisco Xavier. Fazer cinema em Pelotas não era novidade, pois, José Brizolara, proprietário de uma clicheria, se dedicava a documentar a paisagem da região. Também os Irmãos Grecco, financiados por Eduardo Hirtz, da mesma forma realizavam seus pequenos documentários, como Club dos Atiradores, lançado em 12/02/1913 no Recreio Ideal de Pelotas. José Brizolara filmou: Uma Excursão pelo Rio São Gonçalo, Da Boca do Arroio Pelotas ao Porto da Cidade, Panorama da Represa e Uma Excursão ao Cerro do Capão Leão, que eram exibidos na cidade. Consta que Francisco Santos praticamente chegou filmando, dias depois de sua primeira apresentação, pois, já tinha uma câmera de filmar, faltando apenas um laboratório para revelação dos negativos e cópias – o que não foi difícil, já que Brizolara também filmava e certamente possuía um pequeno laboratório, permitindo as primeiras experiências: Centenário e Exposição de Bagé, Um Curtume Pelotense, Uma Visita à Hidráulica de Bagé (em outubro) e Manobras em Jaguarão (em novembro).31


Miriam de Souza Rossini (2007), escolheu o título do filme como A Mulher do Chiqueiro, embora erre a data de exibição:

Desde os primórdios do cinema gaúcho que a realização de filmes com base no elemento campesino é uma constante. Um dos primeiros filmes feitos no Rio Grande do Sul, Ranchinho do Sertão, de 1912/13, dirigido por Eduardo Hirtz, instaura a temática rural em nosso cinema. Pela mesma época, Francisco dos Santos estava dando início ao seu estúdio cinematográfico em Pelotas, rodando filmes também ambientados no meio rural, como O crime dos banhados, 1913, sobre o assassinato de uma família inteira por desavenças política, ou A mulher do chiqueiro, 191432, sobre uma esposa que fora trancafiada pelo marido num chiqueiro. Estes são exemplos do início do cinema gaúcho que já trazia a marca do rural, que por sua vez tornou-se a marca do gaúcho.33


O “IMDb”, sem data de publicação, escolheu o título A Mulher do Chiqueiro:

“39. Francisco Xavier. Producer | A Mulher do Chiqueiro. Francisco Xavier was born in 1879 in Vila Real, Portugal as Francisco Maria Vieira Xavier. He was a producer and actor, known for A Mulher do Chiqueiro (1913), O Crime dos Banhados (1914) and Os Óculos do Vovô (1913). He died in 1935 in Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil.34


O trabalho não pode ser concluído a contento por que existe muita debilidade nas informações. É preciso aprofundar a pesquisa. Seria interessante estabelecer os fundamentos psicológicos envolvidos no crime e na filmagem, bem como a histeria da população em acompanhar a exibição do filme. Estabelecer a rede social em que se inseria o autor do crime, bem como todos os envolvidos.

Notas


1Mestre em História do Brasil. (PUCRS). Licenciado em História. (UFSM).
2“Já doente, concorreu as eleições para Intendente Municipal a pedido do Partido Republicano, sendo eleito em 31 de maio de 1910 pela terceira vez. (…) durante seu mandato, faleceu em 7 de abril de 1913, sem poder realizar a conclusão da Hidráulica de Bagé, que acabou sendo inaugurada uma semana após sua morte”. “Fontes: Bagé – Governos e Governantes – Tarcísio Taborda. José Otavio Gonçalves – Jornal Folha do Sul - José Otávio Neto Gonçalves - Especial Semana de Bagé. Cultura 26/06/2017 | Colunista: Diones Franchi. “José Octávio Gonçalves: Um coronel em nome de Bagé”. http://www.jornalfolhadosul.com.br/noticia/2017/06/26/jose-octavio-goncalves-um-coronel-em-nome-de-bage .
3 Jornal Minuano, “Legado Desaparecido: Bagé sediou experimentos cinematográficos que se perderam no tempo”. Bagé, 6 de julho de 2015. https://issuu.com/jornalminuanobage/docs/20150706 .
4YLS-PHC/FS
SANTOS, Yolanda Lhullier dos e CALDAS, Pedro Henrique. Francisco Santos: pioneiro no cinema do Brasil. Prefácio Miroel Silveira. Gramado : Festival de Gramado, 1996. 111p. il. [Levantamento efetuado em fontes de época].
5AJP/FCG
PFEIL, Antonio Jesus. Filmografia do cinema gaúcho: 1911-1935. [Pesquisa inédita, baseada em jornais da época. Texto depositado na Cinemateca Brasileira. O autor não indica suas fontes de informação].
6GNP/PCG
PÓVOAS, Glênio Nicola. Pesquisas sobre cinema gaúcho. [Informações remetidas através de correspondência, indicando fontes primárias de época, que atualizam o banco de dados do Censo].
7http://bases.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/#
8“O Guarany Futebol Clube é um clube de futebol brasileiro com sede na cidade de Bagé, no estado do Rio Grande do Sul. Foi fundado em 19 de abril de 1907”. https://pt.wikipedia.org/wiki/Guarany_Futebol_Clube .
9Dicionário de História de Pelotas [recurso eletrônico] / Beatriz Ana Loner, Lorena Almeida Gill, Mario Osorio Magalhães, [organizadores]. 3. ed. – Pelotas: Editora da UFPel [ FAU - Fundação de Apoio Universitário] 2017, Disponível em: http://repositorio.ufpel.edu.br:8080/bitstream/prefix/3735/1/Dicion%C3%A1rio%20de%20Hist%C3%B3ria%20de%20Pelotas.pdf .
10O Correio do Povo informava 16 anos.
11“Circuito exibidor: Exibido em Bagé, Santa Maria e Rio Grande, em outubro de 1913. Exibido em Porto Alegre a 24.11.1913, no Íris”.
- Leonardo Tajes Ferreira (Editor-chefe)
- Gustavo Mansur (Administração)
- Alexandre Neutzling (Administração)
- Rafa Marin (Administração). 10 de fevereiro de 2013 ·
13“e) É produzido o filme Marido Fera (do diretor Francisco dos Santos), um policial da Guarany Films, abordando um fato ocorrido no município de Bagé quando um estancieiro, desconfiado da traição de sua esposa, a aprisionou em um chiqueiro e a manteve em cativeiro por alguns anos. Este filme tambem recebeu o nome de A Mulher do Chiqueiro. A estreia desse filme ocorreu no cineteatro Coliseu, de Pelotas, em 18/Out/1913. Era um curta-metragem de 20 minutos que está desaparecido”. http://www.carlosadib.com.br/ciners_fatos.html .
14Bibliografia.─ Becker, T. (org.). Cinema no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UE, 1995; Becker, T. (org.). Cadernos de cinema de P. F. Gastal. Porto Alegre: UE, 1996; Caldas, P. H., Santos, Y. L. Guarany: o grande teatro de Pelotas. Pelotas: Semeador, 1994; Caldas, P. H. A primeira sessão de cinema: 1901. In: Pelotas Memória. v. especial. Pelotas: l992. p. 15-18; Cunha, J. M. S. Cinema: a crítica e os limites de uma impossibilidade. In: Continente Sul/Sur. Porto Alegre: IEL/CNPq, 1996; Cunha, J. M. S. O crime dos banhados e o pioneirismo de Pelotas em produção cinematográfica. In: Diário Popular. Pelotas: Diário Popular, 16.09.1984. p. 6; Cunha, J. M. S. Pelotas e a atividade cineclubística. In: Gazeta Pelotense – Caderno de Cultura. Pelotas: Gazeta Pelotense, 08.10.1976. p. 3; Gomes, P. E. S.Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra/Embrafilme, 1980; Magalhães, N. N. Palcos e telas. In: Pelotas Memória. N.2, v.12. Pelotas, 2001; Miranda, L. Dicionário de cineastas brasileiros. São Paulo: Art Editora, 1990; Pfeil, J. Cinematógrafo e o cinema dos pioneiros. In: Becker, T. (org.): Cinema no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UE, 1995; Ribas, P. G. Il cinema in Brasile fino al 1920. In: Cinema brasiliano. Gênova: Silva Editora, 196l; Santos, Y. L., Caldas, P. H. Francisco Santos: pioneiro do cinema no Brasil.Pelotas: Semeador, 1996; TULARD, J. (org. brasileira de Hiron Goidanich). Dicionário de cinema: os diretores. Porto Alegre: L&PM, 1996.(João Manuel dos Santos Cunha).
15Dicionário de História de Pelotas [recurso eletrônico] / Beatriz Ana Loner, Lorena Almeida Gill, Mario Osorio Magalhães, [organizadores]. 3. ed. – Pelotas: Editora da UFPel [ FAU - Fundação de Apoio Universitário] 2017, Disponível em: http://repositorio.ufpel.edu.br:8080/bitstream/prefix/3735/1/Dicion%C3%A1rio%20de%20Hist%C3%B3ria%20de%20Pelotas.pdf .
16POR UMA MEMÓRIA DO CINEMA DOCUMENTÁRIO NO RIO GRANDE DO SUL: desafios para uma nova historiografia do cinema brasileiro. TOMAIN, Cássio dos Santos. Doutor. UFSM. tomaim78@gmail.com . Intexto, Porto Alegre: UFRGS, v. 2, n. 23, p. 103- 119 julho/dezembro 2010 . Este artigo é resultado de estudos desenvolvidos para o projeto de pesquisa "O Documentário Gaúcho Contemporâneo: Memória e Identidade (1995 a 2010)", financiado pelo edital Universal MCT/CNPq N. 14/2009 e pelo Programa de Bolsas de Iniciação Científica da UFSM - FIPE Júnior em 2009 e 2010. Colaboram nesta pesquisa Camila Dias Araujo e Isabella Mayer de Moura, bolsistas e alunas do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), campus de Frederico Westphalen/RS. https://seer.ufrgs.br/intexto/article/viewFile/16426/10513 .
18 Inventário Cultural de Bagé – Elizabeth Macedo de Fagundes. domingo, 25 de novembro de 2012. Fonte JM (Jornal Minuano: 22h:44min 26/11/2012 - Cinema em Bagé. A era de ouro do cinema em Bagé. Melissa Louçan. Jornal Minuano. http://www.alternet.com.br/portal/2012/11/26/a-era-de-ouro-do-cinema-em-bage/ . http://www.jornalminuano.com.br/noticia.php?id=81521 . http://jornalminuanoantigo.com.br/noticia.php?id=81521&busca=1&palavra=A+era+do+ouro+do+cinema . ). “A era de ouro do cinema em Bagé”. http://cidadebage.blogspot.com/2012/11/a-era-de-ouro-do-cinema-em-bage.html . https://issuu.com/jornalminuanobage/docs/20150706 . “O antigo “Cinema Apolo” foi inaugurado em 13 de outubro de 1934, a mando do empresário Francisco Santos. O projeto e a construção ficou a cargo do engenheiro Lourenço Lahorgue. Em 15 de janeiro de 1959, o jornal Correio do Sul anunciava que o Cine Presidente, após um incêndio em suas instalações, mudava-se para o prédio do Cinema Apolo. Nos anos 60, também funcionou no local um boliche chamado “Bolishow”. Atualmente, está funcionando no referido prédio, o bazar “Mundo Real”. Fonte de consulta: Arquivo Público Municipal e o livro Inventário Cultural de Bagé, de Elizabeth Macedo de Fagundes. Geral 16/11/2015 | Colunista: Cid M. Marinho . “Antigos cinemas de Bagé”. http://www.jornalfolhadosul.com.br/noticia/2015/11/16/antigos-cinemas-de-bage . http://www.carlosadib.com.br/ciners_fatos.html .
19YLS-PHC/FS
SANTOS, Yolanda Lhullier dos e CALDAS, Pedro Henrique. Francisco Santos: pioneiro no cinema do Brasil. Prefácio Miroel Silveira. Gramado : Festival de Gramado, 1996. 111p. il. [Levantamento efetuado em fontes de época].
20YLS-PHC/FS. SANTOS, Yolanda Lhullier dos e CALDAS, Pedro Henrique. Francisco Santos: pioneiro no cinema do Brasil. Prefácio Miroel Silveira. Gramado : Festival de Gramado, 1996. 111p. il. [Levantamento efetuado em fontes de época].
21Antonio Jesus Pfeil?
22AJP/FCG
PFEIL, Antonio Jesus. Filmografia do cinema gaúcho: 1911-1935. [Pesquisa inédita, baseada em jornais da época. Texto depositado na Cinemateca Brasileira. O autor não indica suas fontes de informação].
23YLS-PHC/FS. SANTOS, Yolanda Lhullier dos e CALDAS, Pedro Henrique. Francisco Santos: pioneiro no cinema do Brasil. Prefácio Miroel Silveira. Gramado : Festival de Gramado, 1996. 111p. il. [Levantamento efetuado em fontes de época].
24AJP/FCG
PFEIL, Antonio Jesus. Filmografia do cinema gaúcho: 1911-1935. [Pesquisa inédita, baseada em jornais da época. Texto depositado na Cinemateca Brasileira. O autor não indica suas fontes de informação].
25TB/CRGS
BECKER, Tuio (org). Cinema no Rio Grande do Sul. Porto Alegre : Unidade Editorial, 1995. 135 p. il. (Cadernos Porto & Vírgula, 8).
26AJP/P. PFEIL, Antonio Jesus. Vários textos depositados na Cinemateca Brasileira, incluindo: "Resultado das pesquisas realizadas sobre o cinema no Rio Grande do Sul; em Boletim dos Pesquisadores do Cinema Brasileiro, ano 3, n§4, 1974, e artigos publicados no Correio do Povo de Porto Alegre, mar. 1974.
27CS/FCB
SCHEIBY, Caio. Fichário filmográfico da Cinemateca Brasileira, por este autor elaborado, contendo anotações de Pery Ribas. [Não são mencionadas as fontes de informação utilizadas].
28GNP/PCG
PÓVOAS, Glênio Nicola. Pesquisas sobre cinema gaúcho. [Informações remetidas através de correspondência, indicando fontes primárias de época, que atualizam o banco de dados do Censo].
29ALSN/DFB-LM
SILVA NETO, Antonio Leão da. Dicionário de filmes brasileiros : longa-metragem. Apresentação Frederico Botelho; prefácio Rubens Ewald Filho. São Paulo : A. L. da Silva Neto, 2002. 943 p. Incl. bibliografia e índice por ano de lançamento ou produção. “MULHER DO CHIQUEIRO, A, 1913, Pelotas, RS. ficha técnica: prd, dir e fot: Francisco Santos e Francisco Vieira Xavier; cpr: Guarani Filmes; p&b, 35mm, gen: drama. sinopse: “No município de Bagé, RS, um estancieiro, desconfiado da esposa, prendeu-a num chiqueiro, onde, em companhia dos porcos, viveu durante dezesseis anos. A polícia, tomando conhecimento do fato através de um viajante, organizou uma patrulha, dirigindo-se para o local. Na estância, foi confirmada a denúncia. Realmente a mulher vivia com os porcos (...) O ato revoltou a população e o estancieiro só não foi linchado em razão da intervenção da polícia. O filme acompanhou todos os lances da reconstituição, da prisão, da agitação popular. Extraída da tragédia que teve como protagonista José Alves da Silva, que encarcerara sua esposa durante anos”. comentários: História verdadeira de um homem que, traído pela mulher, mantinha-a presa e amarrada num chiqueiro junto aos porcos. Outro titulo: O marido fera. (fop: d-19)”. Silva Neto, Antônio Leão da. Dicionário de Filmes Brasileiros / Antônio Leão da Silva Neto, - - São Paulo: A. L. Silva Neto. http://www.hamalweb.com.ar/textos/Dicion_rio_de_Filmes_Brasileiros_-_Ant_nio_Le_o_da_Silva_Neto.pdf . “A sigla “fop” mencionada no final de cada filme significa “fonte principal” e indica, como o próprio nome diz, a fonte principal de consulta, mas não a única. Muitas outras fontes foram utilizadas para compor os dados.
31Cinema Gaúcho I – 1900 – 1913. por Antônio Jesus Pfeil. http://www.cpcb.org.br/artigos/cinema-gaucho-i-1900-1913/ . “Antônio Jesus Pfeil é cineasta, pesquisador e historiador, com vários livros publicados, entre os quais Canoas, Anatomia de uma Cidade“, 1992 e 2º vol. em 1995, e Coisas Nossas – Vozes do 1º Musical Brasileiro, livro e CD (1996)”.
32Parece erro.
33 Cinema gaúcho: construção de história e de identidades. Profa. Dra. Miriam de Souza Rossini - miriamsr@icaro.unisinos.br . UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS (UNISINOS). http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/1o-encontro-2003-1/cinema%20gaucho%20construcao%20de%20historia%20e%20de%20identidades.doc . “[12/01/2007]”. https://journals.openedition.org/nuevomundo/3164 .





CAPÍTULO II



Introdução


Seria interessante ver quantos crimes no RS, que tiveram o mesmo impacto na Opinião Pública. Em 1910, por exemplo, em Bagé, ocorreu o assassinato, de uma recém-nascida.

“Mais um dos tais crimes… Fala um colega de Bagé: 'Em Bagé foi encontrada morta, dentro de uma cacimba, ns proximidades da caieira Ghisolfi, uma criança recém-nascida, tendo sobre a barriga uma pedra, que pesava 15 quilos! A criança era de cor branca e do sexo feminino. A autoridade tomou conhecimento do fato e procedia as diligências reclamadas pelo caso, não tendo, entretanto, ainda descoberto os autores do monstruoso crime'”. [ O Republicano (RS). Ano 1910. Edição 0247. Ano V. São Sebastião do Cahy, 9 de janeiro de 1910]. 1


Em Lageado, outra recém-nascida foi atirada para ser comida pelos porcos.

“Porto alegre, 23. Em Lageado, no logar denominado Bertovira, Anna Neivas, solteira, de 17 anos [de idade], filha de Alberto Neivas, deu à luz, a uma criança do sexo feminino. Querendo encobrir seu erro, Anna atirou a filha em um chiqueiro de porcos, existente na propriedade de seu pai. No chiqueiro foi encontrada a pequena vítima, que ainda estava com vida, faltando-lhe, porém, o braço esquerdo, que tinha sido comido pelos porcos. A criança apresentava também extensas escoriações pelo corpo, vindo a falecer momentos depois. A criminosa não foi presa, por se achar gravemente enferma. (Agência Americana)”. [O Paiz (RJ), — sábado, 24 de agosto de 1912. Edição 10 184. 2


Em todos esses crimes, o impacto não foi tão grande quanto o que aconteceu com a mulher que foi encerrada pelo marido numa prisão, que se transformou num verdadeiro “chiqueiro”.

“Porto Alegre, 9. Comunicam de Bagé que o espírito público continua, ali, muito impressionado com o fato de ter a polícia descoberto que o marchante José Alves da Silva mantinha em cárcere privado sua mulher Raphaela Alves. Este caso foi assim desvendado: no domingo, à tarde, o intendente do município foi procurado por uma mulher pálida de horror e tremendo, narrou que, numa chácara dos subúrbios daquela cidade, se achava encarcerada e sofrendo os maiores martírios uma pobre mulher, casada com José Alves, por alcunha 'José Lança', muito conhecido ali, e da qual se achava separado, há quatro anos. Aquela autoridade encarregou o delegado de polícia de fazer as diligências necessárias. Este, acompanhado do escrivão e de vários policiais e representantes da imprensa, deu uma busca na chácara indicada, encontrando num rancho, seminua, uma mulher toda curvada, por ter os membros encolhidos e sem movimento, conservando os olhos semicerrados e toda trêmula. Ao ver a autoridade e as demais pessoas, se aproximarem, exclamou: 'Foi a justiça de Deus! Salvem-me! Não me deixem aqui!'. O quarto em que ela se achava cujo aspecto provocou instintivo recuo de todos os presentes, era um verdadeiro chiqueiro, pestilento, com uma única abertura e esta provida de fortes grades de ferro, forrada de uma tela de arame. No chão, de barro negro, cheio de imundícies em decomposição, havia apenas um pouco de palha, que servia de leito à vítima. Via-se ainda uma banheira, dentre da qual fora colocada a infeliz e amarrada, sendo depois, então, atirada dentre de um açude existente nos fundos, e depois, atada a um poste e surrada. A pobre mulher, que conta apenas 40 anos, aparenta ter oitenta, e foi recolhida à assistência, acompanhada de enorme massa de povo. Próximo do rancho, habitava o algoz, na companhia da amante, sua própria cunhada. A mártir tem dois filhos, um, maior de 21 anos, que dizem ser conivente no crime. Consta que o criminoso foi preso no 6º distrito”. [O Paiz (RJ) – sexta-feira, 10 de outubro de 1913. Edição 10 595]3

Dessa maneira, mais um pouco da história da mulher do “chiqueiro” revela-se. O nome de Orphila Lopes Branco aparecia como coautora.

Inquérito. Bagé, 9- A polícia continua em rigoroso inquérito sobre o hediondo crime que comuniquei. Foi detida a preta Orphila Lopes Branco, executante dos martírios. O espírito público continua impressionado, estacionando à frente da redação do Dever, até tardias horas da noute, enorme multidão que contempla os retratos da vítima e seus algozes. A polícia não pode descobrir ainda o paradeiro do criminoso José Alves, marido da vítima. [Serviço Telegráfico d'A Federação. Estadual. Edição 00235. A Federação: Orgam do Partido Republicano (RS). 9 de outubro de 1913. 4






Notas

3 http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=178691_04&pagfis=17011&url=http://memoria.bn.br/docreader# . A mesma notícia foi publicada no jornal A Época (RJ), na edição 00438, sexta-feira, 10 de outubro de 1913, cuja chamada era “ A Crueldade de um Monstro. Porto Alegre, 9. (A. A.). http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=720100&pasta=ano%20191&pesq=bag%C3%A9 . A mesma notícia foi publicada no jornal Gazeta de Notícias. 11 de outubro de 1913, com a seguinte chamada: 'Horríbel! Um indivíduo encarcera a própria esposa – seminua na imundície – tendo 40 anos, a infeliz parece uma velha de 80. Porto Alegre,10, (A. A.).
4 http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=388653&pasta=ano%20191&pesq=chiqueiro%20bag%C3%A9 .


CAPITULO III





Introdução
Aprofunda-se mais o assunto, mas não a contento. O próprio autor da reportagem observa a insuficiência de dados. A influência da literatura de ficção francesa é também observada, de forma secundária, no texto, sugerindo um conteúdo de folhetim para o fato, como um crime hediondo, bárbaro, contra a humanidade. Certa crítica a Igreja Católica, ao Santo Ofício, relembrando a tortura presente nos interrogatórios. A lembrança da escravidão no Brasil, com as sevícias dos escravos, também parece estar presente no crime. Considerando as anotações do produtor do artigo, sobre a geografia do crime, a localização espacial, seria possível localizar o lugar, na atualidade?

Carcere Privado. Quatro Anos de Martírio. Do nosso colega 'O Dever'1 transcrevemos a seguinte notícia de sua edição do 7 do corrente.
'Talvez nos registros da polícia de Bagé, nesta última década, não se tenha notificado um crime tão revoltante, tão hediondo como aquele que foi ontem descoberto.
Talvez nos anais do foro não tenha registro uma monstruosidade tão grande, tão horripilante como a que provocou, ontem, a mais funda emoção no seio da sociedade bageense.
Transportássemos para aqui uma das páginas do 'Ponson de Terrail'2 e teríamos dito pouco.
Transcrevêssemos um macabro episódio do Santo Ofício e teríamos um pálido quadro de perversidade.
Pudéssemos dotar a fera da inteligência do homem e requintar-lhe os instintos do mal e teríamos um cordeirinho a tremer de horror em face do monstruoso autor dos martírios de Raphaela Dias da Silva.
Não nos podemos alongar muito na narrativa do fato.
A ação moralizadora da polícia está se fazendo sentir em diligências ativas.
Entrarmos em longos detalhes seria prejudicar a sua atuação, que para desafronta duma sociedade deve se fazer sentir completa e perfeita.
Domingo à tarde foi procurar o Sr. Intendente Provisório uma pobre mulher que, pálida de horror, tremendo de emoção, narrou-lhe que numa chácara situada nos subúrbios da cidade estava em carcere privado, sobre os maiores martírios, vitima das mais cruentas atrocidades, uma pobre mulher, casada com José Alves da Silva, muito conhecido nesta cidade e de quem está separada há quatro anos, aproximadamente.
Aquela autoridade encarregou o Sr. Subdelegado de providenciar como de direito.
Ciente do que se tratava, sabendo que as pessoas em casa de quem estava encarcerada a pobre mulher se obstinavam a deixar qualquer pessoa visitá-la, o Sr. Subdelegado de Polícia usou de um magnífico subterfúgio a fim de convencer-se da veracidade da denúncia.
E o plano dessa autoridade logrou o efeito desejado, justificando as diligências levadas a efeito ontem à tarde e nas quais tomou parte um nosso companheiro de redação.
A autoridade policial, acompanhada de seu escrivão, do nosso companheiro de trabalho e de dois policiais, em um carro de praça, encaminharam-se para a referida chácara e lá, preenchidas todas as formalidades da lei, deu uma busca, encontrando em um rancho, sobre uma cama, seminua, uma pobre mulher de faces macilentas, curvada para frente, com os membros inferiores encolhidos, sem movimento algum, cabelos cortados e em desalinho, olhos semicerrados, tremula e que ao ver a autoridade e as demais pessoas que acompanhavam aproximarem-se, com voz rouquenha, apenas perceptível a quem dela estava próximo, num desvairamento de alegria procurava lançar-se para a frente, exclamando:
'Foi a justiça de Deus! Salvem-me! Não me deixem aqui!'
e outras tantas frases de aflição.
Apontando para um quarto ao lado a pobre mulher dizia, cheia de horror e de espanto, que era ali a sua prisão, que era ali que a haviam encarcerado e que lhe infingiam toda a sorte de martírios.
O tal quarto provoca a todo visitante um movimento instintivo de recuo, tal o seu aspecto tétrico: baixo, pestilento, tendo uma única pequena abertura para a rua, abertura esta provida de forte grade de ferro e sobre esta uma resistente tela de arame.
No seu interior, sobre um solo de barro negro, tendo em decomposições matérias imundas, um pouco de palha para leito e uma grande banheira dentro da qual uma vez cheia de água, era a infeliz colocada, e a sim ficava durante largo tempo.
Além desse martírio, segundo narra a vítima, outros piores lhe eram ministrados.
Atavam-na dentro de um açude existente nos fundos da casa e dele retiravam-na para tornarem a atirá-la diversas vezes.
Outras vezes, amarravam-na a um poste e infligiam-lhe bordoadas tremendas, chegando numa das vezes a quebrar-lhe os dentes.
A mísera vítima desses martírios tem apenas quarenta anos e apresenta ter oitenta ou mais, tal o seu estado.
Pessoas que a conheceram e que a viram ontem custaram a acreditar que se tratava da mesma pessoa.
A fim de afastar a curiosidade pública, José Alves e os seus carrascos fizeram crear a lenda de que na dita casa estava uma mulher furiosa, perigosíssima.
Com esse (lm…) visaram eles afastarem dali a presença de qualquer pessoa o que em parte conseguiram.
O que nos admira, porém, e para o que não achamos explicação plausível é que somente agora os irmãos de Raphaela, a infeliz e martir mulher de José Alves, tenham-se lembrado de procurar a irmã e providenciar no sentido de melhorar a condição.
Não entramos, porém, por ora, nessas minúcias.
Aguardamos o desdobramento da ação da autoridade, a fim de pormos os leitores correntes de tudo.
Muito e muito temos a contar, o que prometemos fazer em ocasião própria.
A chácara em que estava a infeliz mulher fica sobre a estrada que vai à 'xarqueada São Martim', à esquerda, um pouco antes de chegar-se ao reservatório da Hidráulica.
A mártir de José Alves foi transportada ontem mesmo para a Intendência, sendo recolhida à sala da Assistência Pública, onde a foi ver uma enormíssima romaria de curiosos, pois a notícia propalou-se logo.
Não se descreve a impressão que os visitantes recebiam.
A grande maioria saía com lágrimas nos olhos.
À noite toda a cidade sabia do fato.
Todos comentavam-no e todos externavam a máxima indignação.
Hoje estamparemos à porta de nossa redação o retrato da infeliz Raphaela””. 3


Notas

1O jornal O Dever. O jornal O Dever foi fundado em 15 de novembro de 1901, por partidários do Partido Republicano Bageense e considerava-se o órgão de divulgação e representante dos interesses do comércio e indústria do Estado do Rio Grande do Sul. Sua periodicidade era de terça-feira a domingo, tinha direção de Thomaz Salgado, mas seu principal diretor e redator foi Adolfo Luiz Dupont [Adolfo Luiz Dupont nasceu em Bagé em 21 de junho de 1886, filho de Charles Adolphe Dupont - reconhecido educacionista nas cidades de Pelotas, Rio Grande e Bagé – e Maria Honorina Ramos. Bacharelou-se em Direito, foi Promotor Público nomeado em 1910, Deputado Estadual no período de 1921 – 1924 pelo PRR e Vice-Intendente eleito no período de 1925 – 1929, durante o Governo de Carlos Cavalcanti Mangabeira]. O pesquisador Cláudio Lemieszek (2010: 30)[LEMIESZEK, Cláudio de Leão. A Imprensa partidária e a Guerra Civil de 1923. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Passo Fundo: UPF, 2010. Orientação: Prof. Dr. Luiz Carlos Tau Golin] traz a seguinte consideração sobre a fundação do jornal: O principal deles foi o deputado republicano Adolfo Luiz Dupont, que acompanhou o jornal até sua extinção em 1937. Entre seus principais articulistas estavam Leonardo Truda, Lindolfo Collor e Theófilo de Andrade”. O JORNAL COMO FONTE DE PESQUISA PARA A HISTÓRIA POLÍTICA: OS DISCURSOS REPUBLICANOS DO O DEVER E AS CONCEPÇÕES FEDERALISTAS DO CORREIO DO SUL. Alessandro Carvalho Bica [ Drº em Educação, Coordenador do GEEHN (Grupo de Estudos em Educação, História e Narrativas) da Unipampa/Bagé. Endereço: Rua Travessa, 45, nº 1650, Bairro Malafaia, Bagé, RS, Brasil. E-mail: alessandro.bica@unipampa.edu.br ] & Berenice Corsetti [Drª em Educação. Endereço: Av. UNISINOS, 950, Centro de Ciências Humanas Campus Unisinos, São Leopoldo, RS, Brasil, bcorsetti@unisinos.br ]. Tempos Históricos ● Volume 18 ● 1º Semestre de 2014 ● p. 320 – 353. ISSN 1517-4689 (versão impressa) ● 1983-1463 (versão eletrônica). http://e-revista.unioeste.br/index.php/temposhistoricos/article/download/11110/7929 . “Foi em 10 de setembro de 1861 que apareceu o primeiro jornal em Bagé, iniciativa de Isidoro Paulo de Oliveira, que chegara de Pelotas, em agosto, trazendo sua tipografia, já que fora obrigado pelo delegado de Polícia encerrar a publicação do jornal que ali editava.
Ele denominou a folha bageense de “Aurora de Bagé”. Em seus “Apontamentos Históricos e Estatísticos de Bagé”, o historiador Jorge Reis diz que “Isidoro Paulo de Oliveira era um polemista de pulso vigoroso, inteligente” e que “seu jornal era uma folha de pequeno formato e aparecia às terças, quintas e domingos”.
O jornal “Correio Mercantil de Pelotas” publica, em 1887, comentário de cronista anônimo sobre o lançamento do “Aurora de Bagé”, dizendo que a folha “era uma espécie de bomba dinamítica que fez horrível explosão entre os habitantes da vila. Originaram-se dissensões entre eles. A política, que só era conhecida por ocasião do votante depositar seu voto na urna, tornou-se odiosa entre os partidários. A vida privada dos cidadãos aparecia na coluna do jornal, resultando de tudo isso, em 1862, o redator proprietário ser processado e recolhido à cadeia”. Cumprida a pena a que fora condenado, Isidoro tratou de recuperar sua tipografia e, em 1863, lançava um novo jornal, o segundo de Bagé, com o título de ”O Bageense“ e que circulou até sua morte, em 1866.
Antes de vir para Bagé, Isidoro Paulo de Oliveira havia lançado em Rio Grande, em 1856, o “Correio da Tarde”, transferindo-se, dois anos depois, para Pelotas, onde foi redator da folha “O Noticiador”, fundando após o seu jornal, intitulado “Diário de Pelotas”.
As coleções dos dois primeiros jornais bageenses encontram-se acondicionados no Museu Dom Diogo de Souza e foram doadas pela Sra. Ivete Wiedmann (Aurora de Bagé). Graças ao empenho do historiador Tarcísio Taborda. Já a segunda, pelo Rotary Club de Bagé, que, por intermédio do Sr. Dante Peduzzi, adquiriu do colecionador Otton Figueiró.
Segundo Ary Martins, em “Escritores do Rio Grande do Sul”, diz que “Isidoro Paulo de Oliveira foi professor de línguas, desenho, caligrafia, escrituração mercantil e que, além de jornalista, foi dramaturgo”.
Isidoro Paulo Oliveira era considerado “um jornalista ardoroso em seu combate. Articulista, narra episódios da vida diuturna da vila, sendo veemente na crítica sagaz e mordaz, lançando farpas e verrinas, parecendo não lhe ter sido a cadeia pesada e nem exemplar”.
Guerra do Paraguai – Isidoro Paulo alistou-se em um Batalhão de Voluntários da Pátria e, como tenente-secretário, participou da Guerra do Paraguai, tendo destacada atuação no ataque ao Forte de Curupaiti, quando foi ferido. Levado para Corrientes, ali morreu, em 29 de setembro de 1866. Do teatro da guerra, enviava notícias para “O Bageense”.
Família – Nascido em Viena, Áustria, filho do comendador Isidoro Costa de Oliveira, Isidoro Paulo casou em Pelotas, com Belmira Carolina de Oliveira, tendo o casal seis filhos, os dois últimos (Isolina e Maria), nascidos em Bagé. Após a morte do marido, a viúva transferiu-se, com os filhos, para Pelotas.
Outros jornais do século
Depois do desaparecimento dos dois primeiros jornais lançados por Isidoro Paulo de Oliveira, muitos outros surgiram em Bagé, mas todos de curta existência.
Ainda no século XVIII, foram editados aqui, entre outros, os seguintes jornais:
Astréa – Folha não política, surgida em 1866, dirigida por Francisco José Ferreira Camboin e Luiz Gonzaga Pereira.
Opinião Liberal - Para defender as ideias do partido, tendo com diretor Francisco Ferreira Sampaio de Carvalho.
Arauto – Surgiu logo depois, “um campeão das ideias conservadoras”, dirigido por José Carlos Teixeira.
A Razão – Substituiu, em 1869, a “Opinião Liberal”, tendo na chefia Antônio José Siqueira Júnior.
O Comércio – Surgido na mesma época, teve curta duração.
Diário de Bagé – Apareceu em 1873 (órgão dos interesses locais), dirigido por Luiz Gonzaga Pereira. Era de sua propriedade e de Antônio José Siqueira Júnior.
Cruzeiro do Sul – Substituiu “Diário de Bagé” logo depois, assumindo a direção Aurélio Ibipuitan de Freitas 
[Heliadora; preta; Crioula; Sra. Luciana Francisca Vaz; dt. conc. 24-03-71; dt. reg. 30-05-71; de Jaguarão Chico (Livro 6, p. 62v). Desc.: A carta foi concedida mediante a condição da escrava servir até a morte da senhora. Por não saber ler nem escrever, a senhora pediu a Aureliano Ibipuitan de Freitas que a fizesse e assinasse a rogo - DOCUMENTOS DA ESCRAVIDÃO. CATÁLOGO SELETIVO DE CARTAS DE LIBERDADE. Acervo dos Tabelionatos de municípios do interior do Rio Grande do Sul. VOLUME 1. Porto Alegre, Novembro de 2006. Governo do Estado do Rio Grande do Sul http://doczz.com.br/doc/725208/cat%C3%A1logo-seletivo-de-cartas-de-liberdade---apers]
Em 1878, assumiu a (direção) Bernardino Silveira da Rosa Bambá. No ano seguinte, a direção do jornal passou ao historiador Jorge Reis e José Capistrano Torres.
Independente – Lançado em 1883, era de propriedade e redação de Bernardino Bamba.
Diário de Bagé – Voltou a circular em 1885, agora sob a direção de Antenor Soares. Era órgão imparcial e noticioso.
União Liberal – Apareceu, também, em 1885, “diário político”, órgão do partido e obediente à chefia do conselheiro Gaspar Silveira Martins.
Cruzeiro do Sul – Em 1888, reapareceu, em sua segundo fase, tendo como diretor-proprietário Jorge Reis. Dizia ser ”um diário imparcial”.
Quinze de Novembro – Órgão republicano inicia sua circulação em 1890, sob a direção de Antenor Soares.
O Comércio – “Folha imparcial”, dirigida pelo jornalista Júlio Brissac, começa a circular em setembro de 1894.
Gazeta da Manhã – sob a direção de Pedro Antônio da Cunha, entra em circulação em 1895.
Florionópolis – Órgão republicano, surgido em 1896, teve vida efêmera.
Escrínio – Apareceu, em 1898, sob a direção da jornalista Andradina de Oliveira.
O primeiro, dos muitos jornais surgidos no século XX, foi “O Dever”, que teve longa duração”. Cultura 10/07/2013
“A imprensa surgiu em Bagé em 1861”. Mário Lopes. http://www.jornalfolhadosul.com.br/noticia/2013/07/10/a-imprensa-surgiu-em-bage-em-1861 .

2“Ponson du Terrail”. https://pt.wikipedia.org/wiki/Ponson_du_Terrail . https://fr.wikipedia.org/wiki/Pierre_Alexis_de_Ponson_du_Terrail . https://es.wikipedia.org/wiki/Pierre_Alexis_Ponson_du_Terrail . “Ponson du Terrail's early works squarely belonged to the Gothic novel genre: his La Baronne Trépassée (1852) was a murky Ann Radcliffe-like tale of revenge in the macabre surroundings of 18th-century Germany Black Forest. The novel was translated by Brian Stableford as The Vampire and the Devil's Son in 2007. ISBN 978-1-932983-55-5. La Femme Immortelle (1869) was another of Ponson's classic flirtations with the supernatural and the theme of vampires. The novel was also translated by Brian Stableford as The Immortal Woman in 2013. ISBN 978-1-61227-175-0. When Ponson du Terrail embarked in 1857 on writing the first novel of the Rocambole series, L'Héritage Mystérieux (also known as Les Drames de Paris), for the daily newspaper La Patrie, he merely meant to copy the success of Eugène Sue's best-selling Les Mystères de Paris. Rocambole's importance to mystery fiction and adventure novels cannot be underestimated, as it represents the transition from the old-fashioned Gothic novel to modern heroic fiction. The word rocambolesque has become common in French to label any kind of fantastic adventures, especially those with multiple new turns in the story. Rocambole became a huge success, providing a constant and considerable source of revenue to Ponson du Terrail, who continued churning out his adventures. In total, he produced nine Rocambole novels. His other notable novels include Les Coulisses du monde (1853) and Le Forgeron de la Cour-Dieu (1869)”. https://en.wikipedia.org/wiki/Pierre_Alexis_Ponson_du_Terrail . https://it.wikipedia.org/wiki/Pierre_Alexis_Ponson_du_Terrail .


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